A Artica desconstrói a tecnologia para aproximar as máquinas das pessoas

A criatividade da Artica, fundada pelos “artesãos digitais” André Almeida e Guilherme Martins, já deixou a sua marca no universo da Marvel e em exposições na Fundação Calouste Gulbenkian. Empresa da Caparica dedica-se à “computação criativa”.

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Rui Gaudêncio

Quando decidiram criar a Artica, em 2011, André Almeida e Guilherme Martins não tinham grandes planos traçados para uma aventura. Queriam “tirar a tecnologia dos contextos industriais e comerciais” e dar-lhes uma utilização “mais criativa”. “Fundámos a empresa para fazermos o que gostávamos e conseguir viver disso”, contam os fundadores, ao telefone com o P3. Guilherme Martins, o designer tornado programador, dá como exemplo o robot Toppi, criado para a Kit-Kat: a equipa da Artica pegou num Jibo, um robot social, e modificou-o para que fosse capaz de “desenhar em chocolates com toppings reais e comestíveis”.

Do momento da fundação até aos dias em que são colaboradores habituais em exposições de alguns dos franchises mais populares do mundo — como os Avengers ou os Transformers, para os quais desenvolveram um jogo — ou requisitados para a construção de neurónios gigantes interactivos, todo o percurso foi definido por duas ideias: inovar e superar novos desafios tecnológicos, centrados na “interacção homem-máquina”. “Somos artesãos digitais”, descreve Guilherme. A empresa da Caparica “procura fundir diferentes áreas de conhecimento para criar objectos únicos e interactivos”.

Os percursos de André, licenciado em Engenharia Informática, e Guilherme, designer gráfico, cruzaram-se “uns anos antes” da Artica, quando trabalharam numa outra empresa. Quando se conheceram, tiveram logo “uma afinidade e amizade pessoal” e, anos mais tarde, decidiram “juntar valências”. O primeiro projecto que fizeram juntos, em 2010, foi uma parede de LED interactiva e de grandes dimensões, para o Portugal Tecnológico, na Feira Internacional de Lisboa. A obra foi um projecto “colaborativo” com o artista conceptual Leonel Moura, um pioneiro na aplicação de robótica no mundo artístico.

A partir daí, a popularidade do trabalho realizado foi crescendo. “Vieram outras encomendas, começamos a dar workshops de robótica criativa”, contou Guilherme. No ano seguinte, nasceu oficialmente a Artica. De experiências com realidade virtual nos elevadores do centro comercial Vasco da Gama, em Lisboa, ao robot Toppi , a empresa de “computação criativa” tem deixado que “o trabalho fale por si”, tanto a nível nacional como fora de portas.

Salto internacional... Para dentro de Portugal

Em 2014, a Artica estabeleceu uma parceria com a norte-americana Audience Entertainment, cujo director de tecnologia já tinha trabalhado com André Almeida. A ideia da empresa era explorar “a componente interactiva nas salas de cinema”, mais concretamente em spots publicitários. A colaboração durou dois anos e abriu a porta para o desafio com maior visibilidade em todos Artica: a Avengers S.T.A.T.I.O.N., uma exposição temática do universo da Marvel.

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Os sete elementos polivalentes que compõem a "família" da Artica, como descreve Guilherme Martins (segundo a contar da direita). Rui Gaudêncio

Através da Audience Entertainment, a equipa liderada por André e Guilherme foi contactada pela Victory Hill Exhibitions, responsável pelo planeamento de exposições temáticas. A empresa “queria um jogo interactivo” que pudesse envolver várias pessoas em simultâneo para finalizar a exibição.

A Avengers S.T.A.T.I.O.N. estreou-se em 2016, e tem uma exposição permanente em Las Vegas, nos Estados Unidos, e outras três itinerantes pelo mundo. Desde este primeiro projecto, a Artica voltou a colaborar com a Victory Hill em exposições dos Transformers e do Jurassic World.

No entanto, os dois fundadores não hesitam em apontar um projecto dentro de portas como o mais desafiante de todos: a exposição da Fundação Calouste Gulbenkian Cérebro: Mais Vasto Que o Céu, na qual 13 instalações interactivas incluíram obras complexas como um neurónio de 12 metros ou uma “orquestra de cérebros” composta com a colaboração de Rodrigo Leão. “A exposição envolveu todas as nossas valências. Foi um ano a pensar e realizar todas as componentes tecnológicas de forma a manter coerência na capacidade de comunicação e de levar as pessoas a perceberem melhor como funciona o seu próprio cérebro”, explicou André Almeida.

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Se o “neurónio interactivo” era um projecto muito ambicioso devido à grande dimensão e complexidade de montagem — a instalação contava com 32 quilómetros de fibra óptica —, a “orquestra de cérebros” foi um desafio pela necessidade de harmonizar diferentes dados cerebrais recolhidos a quatro pessoas em simultâneo. “Um headset lia as frequências cerebrais [dos utilizadores] — se a pessoa estava com tensão, se estava descansada — e essas ondas eram depois interpretadas pelo nosso sistema e ‘fundidas’ com uma partitura base que o Rodrigo Leão tinha composto”.

Desde 2018, a equipa da Artica — composta por sete elementos – anda mais empenhada num projecto no âmbito do Portugal 2020 financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o INTERACT, que tem como objectivo estudar a “fusão do mundo real com o mundo virtual” e formas de aplicar esse tipo de tecnologia no dia-a-dia dos utilizadores. “Estamos a tentar explorar paradigmas de interacção nestes ambientes mais mistos em que várias pessoas estão a interagir, quer colaborativamente quer de uma forma mais competitiva”, explica André Almeida. O projecto que mistura realidade virtual com realidade aumentada está a entrar no segundo ano e as experiências estão a ser documentadas em vlogs.

As “exposições e os parques temáticos”, nos quais o engenheiro entende haver “capacidade para mostrar” todas as valências da equipa, vão ser as apostas para o futuro da Artica. O outro campo de desenvolvimento, a cargo de Guilherme Martins, consiste na criação de “interfaces físicas” que podem ser “completamente personalizadas” pelos utilizadores, dependendo do que estes preferirem. Uma área nova a explorar pela Artica, mas seguindo a forma de actuação que a empresa tem desde a sua fundação: “desconstruir a tecnologia”.

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