Rui Pinto tentou dar provas à Justiça, mas foi ignorado, acusa advogado

Ao PÚBLICO, o advogado William Bourdon afirma que o contacto aconteceu ainda antes do início do Football Leaks.

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William Bourdon, advogado francês de Rui Pinto Rui Gaudêncio

O advogado francês William Bourdon garante ter na sua posse provas de que o hacker Rui Pinto, seu cliente, propôs a entrega de informação às autoridades portuguesas.

“Temos provas de que Rui Pinto entrou em contacto com as autoridades portuguesas detalhando a informação que tinha em sua posse”, acusou William Bourdon, esta sexta-feira, durante uma conferência que juntou representantes das várias entidades que trabalharam com o hacker durante as divulgações do Football Leaks e, mais recentemente, dos Luanda Leaks.

Ao PÚBLICO, o advogado francês – que já representou denunciantes como Edward Snowden e Julian Assange – garantiu que estes contactos que ficaram sem resposta da Justiça portuguesa ocorreram antes das revelações do Football Leaks. O PÚBLICO enviou um pedido de esclarecimento à Procuradoria-Geral da República sobre estas alegações, mas, até ao momento, não foi possível obter resposta. 

Bourdon foi o primeiro a falar na conferência desta sexta-feira, em Lisboa. O advogado revelou que tinha visitado Rui Pinto durante a manhã, voltando a reforçar a coragem do seu cliente, comparando-o a alguns dos maiores denunciantes da história: “Acreditámos que os motivos que motivaram Rui Pinto são tão puros quanto os de Snowden. Ele não tem interesse algum por dinheiro. No caso da Doyen, participou num jogo infantil e tentou perceber se o fundo de investimento mordia o isco.”

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Apesar de não ter participado na conferência, Ana Gomes trocou algumas palavras com William Bourdon, advogado de Rui Pinto Rui Gaudêncio / PÚBLICO

Preso desde 22 de Março do ano passado, Rui Pinto é acusado de 90 crimes e viu, há dias, o seu pedido para ser retirado de prisão preventiva recusado pela Justiça, com o Ministério Público a invocar “elevadíssimo perigo elevadíssimo de fuga” como um dos argumentos para manter o denunciante detido.

Francisco Teixeira da Mota, advogado português de Rui Pinto, defende que o hacker continua a mostrar disponibilidade para colaborar com as autoridades portuguesas. “Tenho expectativas que ele venha a colaborar com as autoridades portuguesas. Rui Pinto tem abertura para isso”, explicou na intervenção que abriu a conferência.

“Perigo de fuga de Rui Pinto? E em relação ao Ricardo Salgado? Não há?”

A grande ausente da conferência foi Ana Gomes: a ex-eurodeputada do PS era uma das pessoas que iria falar nesta conferência, mas um atraso no voo levou a que apenas chegasse no final da sessão de perguntas e respostas. Posteriormente, em declarações ao PÚBLICO, comentou as razões invocadas pelo Ministério Público para manter Rui Pinto em prisão preventiva.

“E em relação ao Ricardo Salgado? Não há [risco de fuga]? Acho extraordinário que existam todos esses cuidados de segurança relativamente a uma pessoa que expõe criminosos e em relação aos criminosos que todo o povo português sabe, nada acontece. Falei de Ricardo Salgado, poderia falar de muitos mais que andam aí à solta, incluindo as sociedades de advogados que funcionam como autênticas organizações criminosas”, afirma Ana Gomes.

A ex-eurodeputada afirma que existem “vários Ministérios Públicos”, acreditando que alguns membros que integram a instituição querem que os conhecimentos e dados adquiridos por Rui Pinto sejam utilizados em investigações. Quanto a novas relações no Luanda Leaks, Ana Gomes diz que as divulgações já feitas pelo consórcio de jornalistas foram “a ponta do icebergue”, acreditando que muitos dos 715 mil ficheiros disponibilizados por Rui Pinto ainda estejam por revelar.

"Herói da democracia e do povo”

Um dos órgãos de comunicação social que fez parte de ambos os escândalos (Football Leaks e Luanda Leaks), o jornal de investigação francês Mediapart, fez-se representar pelo editor Edwy Plenel. Perante uma audiência composta maioritariamente por jornalistas, Edwy não poupou elogios a Rui Pinto, apelando aos colegas de profissão para que se unam em torno do hacker português: “Quero dizer a todos os jornalistas aqui presentes que defender o Rui Pinto é defendermo-nos a nós mesmos. É um herói da democracia, um herói do povo, que permitiu saber o que era escondido.”

O financiamento da defesa de Rui Pinto é da responsabilidade da The Signals Network. Esta organização sem fins lucrativos norte-americana presta auxílio legal a denunciantes cujas informações originem investigações e, na maior parte dos casos, resulte em processos-crime. Apesar de não ter revelado números, a directora-executiva, Delphine Halgand-Mishra, revelou que foi criada uma campanha de angariação de fundos para financiar os custos legais de Rui Pinto. Revelou, também, que as autoridades europeias já arrecadaram "pelo menos 35 milhões de euros” resultantes das investigações iniciadas pelo hacker.

Esta conferência contou ainda com a participação de Henri Thulliez, co-fundador da plataforma de apoio a denunciantes africanos (PPLAAF), que entregou a informação recebida por Rui Pinto ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Em nome do último, participou Gerard Ryle. Stefan Candea, coordenador do European Investigative Collaborations (EIC), que analisou os documentos do Football Leaks

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