“É necessário investir mais recursos no SNS”, defende ex director-geral da Saúde

Antigo director-geral da Saúde e ex-consultor do anterior ministro da Saúde, Constantino Sakellarides, salienta efeitos da crise económica e considera que é necessário incluir na estratégia orçamental objectivos associados aos grandes desafios da saúde.

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Constantino Sakellarides foi durante dois anos consultor do ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes Pedro Cunha

A crise financeira levou à degradação dos serviços públicos, em especial do Serviço Nacional de Saúde (SNS), e os efeitos ainda se sentem, alerta o antigo director-geral da Saúde e professor jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública Constantino Sakellarides. Num artigo publicado na revista científica da Ordem dos Médicos, a Acta Médica Portuguesa, fala sobre os desafios da transformação do SNS e defende que o sistema público de saúde precisa de mais recursos.

Salientando que os desafios do SNS são hoje diferentes dos de há 40 anos, quando o SNS foi criado, Constantino Sakellarides salienta a necessidade de atenuar o efeito da morbilidade múltipla — uma pessoa com várias doenças crónicas — e de apostar na integração de cuidados. “As transformações indispensáveis para responder a estes desafios são complexas e muito exigentes”, afirma.

Após a crise financeira, afirma o especialista em saúde pública, “assistiu-se a uma clara hierarquização das políticas públicas”. Primeiro as financeiras, depois as económicas, “ficando as de carácter social, como as relativas à saúde, com o que resta das disponibilidades orçamentais do Estado”.

“Isso levou à rápida degradação dos serviços públicos, particularmente do SNS, e das condições de trabalho de quem lá exerce a sua profissão”, aponta o ex-consultor do anterior ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, referindo que o efeito continua a sentir-se e um deles “foi centrar o debate do SNS na questão do seu financiamento”.

Para Sakellarides, “é necessário investir mais recursos no SNS”. Tal como é importante “transformar — descentralizar, integrar, inovar, democratizar —, situar, sem excessos de retórica, as pessoas no centro do sistema de saúde”, afirma, considerando que só com a integração dos vários níveis de cuidados é possível dar uma resposta apropriada à morbilidade múltipla. O antigo consultor de Adalberto Campos Fernandes teve em mãos o SNS +Proximidade, um projecto de modernização da oferta dos cuidados de saúde com maior interligação entre os diversos serviços, mais centrada nos utentes e com uma aposta na literacia e na criação de planos individuais de saúde para doentes crónicos.

Na sua análise, Serviço Nacional de Saúde: Dos desafios da Actualidade às Transformações Necessárias, o especialista refere que “nos programas de governo e nos discursos políticos da saúde, o foco tende a estar muito ‘no que fazer’, e muito menos no ‘como fazer’, ou seja, na efectiva implementação das políticas de saúde”. O mesmo resume a transformação necessária na saúde com a necessidade de apostar na promoção de mudanças de proximidade e assegurar o enquadramento organizacional, de gestão e de decisão política para que estas mudanças aconteçam.

Para Constantino Sakellarides, “é necessário incluir na estratégia orçamental de médio prazo do país objectivos associados aos grandes desafios de saúde para os portugueses”. Assim não sendo, destaca, “será sempre pequena a possibilidade de melhorar substancialmente a situação actual”. Afirma que “desviar recursos financeiros públicos do SNS para evitar compromissos definitivos no investimento dos serviços públicos, cria um ciclo vicioso que conduz ao esvaziamento do SNS”.

Considera que “é indispensável” um planeamento a longo prazo das infra-estruturas do SNS e salienta que “atrair e reter profissionais da saúde implica uma relação mais atenta, elaborada e flexível entre a gestão dos serviços e as exigências da prática profissional”. “Significa investir seriamente na qualidade do ambiente de trabalho e do exercício profissional (trabalho gratificante, aprendizagem contínua, participação na investigação e no ensino em saúde e cuidados de saúde), numa carreira orientada pelo reconhecimento do mérito e da excelência. Para isso muito contribuirá a institucionalização de um corpo profissional exclusivo do SNS”, considera Constantino Sakellarides.

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