Johnson exige da UE um acordo de comércio como o do Canadá
Primeiro-ministro britânico faz discurso em que apresenta as suas condições para as duras negociações que decorrem até ao fim do ano. De Bruxelas vêm avisos de que traz expectativas irrealistas.
O “Brexit” está feito, mas há ainda muito trabalho a fazer para que o Reino Unido possa deixar de facto de cumprir as regras da União Europeia, sobretudo se quiser assinar um acordo comercial até ao fim deste ano. Ainda com a adrenalina lá bem em cima por causa da festa de saída, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson prevê fazer um discurso nesta segunda-feira em que dirá que prefere sair sem acordo nenhum, se não estiver em cima da mesa “um acordo tão ambicioso” como o que a UE assinou com o Canadá em 2017.
As negociações só vão recomeçar a sério em Março, mas a equipa de Michel Barnier, que lidera o lado europeu, apresentará as orientações do seu novo mandato também segunda-feira. E do lado de Bruxelas há linhas traçadas a vermelho vivo: o Reino Unido terá de aceitar alinhar-se com a UE nas regras relativas aos direitos dos trabalhadores, ambiente e auxílios estatais para poder assinar um acordo.
Nos corredores de Bruxelas não há grande convicção de que o modelo do Tratado Comercial com o Canadá (conhecido como CETA) possa funcionar para a futura relação comercial com o país.
O CETA levou anos a ser negociado. Reduz praticamente a zero as tarifas nos produtos comercializados entre o Canadá e a UE, protege produtos regionais e permite o acesso a concursos nacionais, regionais e locais de empresas de ambos os blocos. Não cria uma união aduaneira nem um mercado comum, por isso o Canadá e a UE podem fazer acordos de comércio com outros países.
Mas não cobre o sector dos serviços, fundamental no caso da UE e do Reino Unido (um mercado que vale cerca de 107 mil milhões de euros, no total). No CETA permanecem também tarifas sobre produtos agrícolas, como ovos, carne de frango e outras carnes, embora sejam estabelecidas algumas quotas livres de taxas. O valor das trocas comerciais entre as ilhas britânicas e o continente europeu neste sector é, no entanto, seis vezes superior ao comércio da UE com o Canadá, diz a BBC.
Tudo isto não passa de meros pormenores, por enquanto. O que Boris Johnson está a fazer é algo equivalente ao gesto de um toureiro com a capa vermelha frente a um touro: uma provocação, um gesto de bravata, para abrir as negociações que todos sabem que serão duras e, certamente sujas – nunca um acordo comercial tão importante foi negociado em menos de um ano, como Johnson se auto-impôs, para terminar o período de transição até 31 de Dezembro de 2020.
O primeiro-ministro britânico afirma desejar um acordo tão bom como o do Canadá, mas, se tudo falhar, está disposto a ter um mecanismo bem mais desligado, tal como o que rege as relações da distante Austrália com a UE, disse uma fonte governamental britânica citada pela Bloomberg e pelo Guardian.
A isto, fontes da União Europeia, citadas pelo diário britânico, responderam que se Boris Johnson quisesse um acordo com tarifas apenas em alguns produtos, como o estabelecido com a Austrália, será “impossível” tê-lo terminado até ao fim de 2020. “Dado o calendário de negociações de 11 meses – na prática, apenas oito –, o único resultado possível até ao fim do ano é um documento de comércio livre com zero tarifas e zero quotas, ou então não haver acordo e tudo funcionar de acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio”, disse ao Guardian essa fonte europeia.