Esclerose lateral amiotrófica: morrer devagar cada dia, sem direito a escolher uma boa morte

O diagnóstico de sobrevida, tal como a doença, é implacável: metade dos doentes têm uma esperança de vida a rondar os três anos; os restantes podem esperar viver entre cinco a dez anos. Peter Frates, que lançou o Ice Bucket Challenge, viveu sete anos.

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Charles Platiau/Reuters

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença inflamatória degenerativa caracterizada por paralisia muscular progressiva e irreversível. Como consequência, e simplificando, os músculos que permitem realizar os mais variados movimentos vão ficando fracos até ficarem inertes: os dos antebraços, ombros, membros inferiores, os que permitem mastigar e engolir, falar e respirar. Ficámos a saber mais sobre a ELA com Pete Frates, o homem que lançou ao mundo o desafio do balde com água gelada (ou Ice Bucket Challenge como ficou conhecido), em que muitos de nós, e muitos dos que chamamos pelo epíteto de “famosos”, participaram.

O diagnóstico de sobrevida, tal como a doença, é implacável: metade dos doentes têm uma esperança de vida a rondar os três anos; os restantes podem esperar viver entre cinco a dez anos. Peter Frates viveu sete anos. Morreu em 2019.

Eu voltei a ouvir falar da doença quando um amigo, num dos almoços que fazíamos para falar e rir das coisas da vida, me disse que tinha sido diagnosticado com ELA. Na altura, há três anos e uns quantos meses, só coxeava de uma das pernas. Hoje não mexe nenhuma delas, nem os braços. Tem duas cuidadoras que se revezam durante o dia e sobra-lhe a autonomia que a fala, apesar de arrastada, ainda lhe permite. Em breve, só lhe restará o rodar dos olhos para comunicar com o mundo. E, depois, nada.

Quando conversámos sobre como resolveria esse futuro, que se vislumbrava de sofrimento, sem autonomia e sem esperança, disse-me, com aquele misto de humildade e determinação que o caracteriza, que nessa espera ia tentar fechar as gavetas da vida que ainda estavam abertas. Pensei se isto me serviria estando em iguais circunstâncias. E concluí que não. Que gostaria de ter o direito de decidir quando morrer, fosse o direito a uma morte medicamente assistida ou à eutanásia — do grego euthanasía, que significa, justamente, morte sem sofrimento, sendo que as diferenças entre ambas foram assinaladas aqui e aqui.

Essa opção, de escolher morrer, não será para ninguém leviana, nem tão pouco pode ser ajuizada como sendo a de uma saída fácil, ou só a dos desprovidos de fé. Não há, de um lado, o grupo dos que aceitam viver com a sorte da agonia que lhes calhou e, do outro, o grupo dos que desperdiçam o bem que é a vida. Não se opõe à existência de cuidados paliativos, nem ao trabalho de associações como a APELA. Mas deve opor-se não só à vantagem dos que se podem deslocar à Suíça para morrer com a ajuda da Dignitas, mas, também, ao preconceito e ao moralismo. 

Em 2018 foram apresentados pelo BE, PAN, PEV e PS quatro projectos de lei sobre a morte medicamente assistida que, em comum, propunham a despenalização dos profissionais de saúde que acedessem, ou facilitassem, a administração do fármaco letal. Os quatro projectos de lei foram chumbadosPS, BE e PAN voltaram a apresentar novos projectos de lei. Adicionalmente, dois dos novos partidos que conseguiram assento parlamentar nesta legislatura, a Iniciativa Liberal e o LIVRE, têm o tema inscrito nos seus programas.

Espero que a Assembleia da República volte, como se noticiou, a debater e a decidir pela liberdade de cada um escolher, em consciência e com escrutínio, o seu destino.

Estive com o meu amigo esta semana. Disse-me que já tinha conseguido fechar as tais gavetas. Resta-lhe, agora, uma espera dolorosa. Tinha como lema “as coisas valem pelo que custam”. Lema esse que a vida se encarregou de levar, sem compaixão, à letra.

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