Onde andam os académicos?

Em tempos de desnorte, os académicos deveriam ter um papel essencial, mas na maior parte das vezes o conhecimento que produzem não chega ao domínio comum.

Em Annie Hall, de Woody Allen, vê-se Alvie e Annie, em salas diferentes, com os respectivos psicólogos. Às tantas, ambos respondem à mesma pergunta: com que frequência têm sexo? “Quase nunca, para aí três vezes por semana”, responde ele. “Constantemente, diria que umas três vezes por semana”, diz ela. Nestas coisas da quantidade e regularidade as visões mudam. Muitos dirão que os académicos estão constantemente nos debates públicos. Outros dirão que raramente. Estou com estes.

Há uma década, quando começou a ser nítido que o mundo estava a mudar, com o modelo económico em derrapagem, as desigualdades crescentes, a democracia em crise e os riscos ambientais, fui um dos ingénuos que achou que seria uma oportunidade para a academia. Parecia ser uma altura para não ter medo de pensar e criar condições para o surgimento de novas ideias, em contraponto ao agir em círculos, de forma emocional, como desde então tem vindo a acontecer.

Nada disso sucedeu. Existem excepções, que confirmam a regra, mas o que fica é que os académicos desaparecerem de circulação. Ou então, o que vai dar quase ao mesmo, estão a comunicar entre si, produzindo para publicações académicas que só os próprios lêem ou fechados em seminários ou laboratórios da comunidade científica. E com isso, ideias, planos, inovações e desígnios nunca chegam ao domínio comum.

Na avaliação das circunstâncias que levam a que esse saber não seja mais partilhado, existem claramente factores sistémicos que atravessam o conjunto da sociedade, e à qual a universidade não escapa, na forma da generalização da precariedade, da desqualificação, da competitividade extrema em tempo de disparidades. Ou seja, os académicos, individualmente, estão a fazer pela vidinha, como toda a gente. Colectivamente existem custos: a Universidade não serve apenas para ensinar ou produzir conhecimento. Tem uma função social essencial enquanto espaço de interpelação da sociedade que se vai perdendo.

Mas não são apenas factores estruturais que explicam esse distanciamento. Há condições novas, como a desadequação em relação ao novo ecossistema comunicacional digital, com a própria noção de espaço público a transformar-se, e também elementos culturais ou comportamentais que se agravaram, sem que exista grande autocrítica. Um exemplo são as queixas recorrentes sobre o papel dos jornalistas. Tenho amigos académicos que passam o tempo a reclamar que os jornalistas quando reproduzem o seu discurso simplificam-no de forma tão grosseira que nada de substancial fica. Do lado dos jornalistas oiço que os académicos não sabem expor complexidade com inteligibilidade.

Percebo as duas posições. Existe um pouco de verdade nas duas. É um equilíbrio difícil. Os académicos estão habituados a comunicar para convertidos e não para iniciados. E os jornalistas, mecanizados na forma de operar, falta-lhes por vezes a agilidade no descodificar de discursos que fogem à sua rotina. Não se trata de fazer a apologia de que os académicos têm de comunicar para todos. Isso não existe. Haverá sempre formas de entendimento da realidade que alguns apreenderão e outros não. Mas esse esforço de relação, o mais transversal possível, deverá existir.

Institucionalmente era preciso mudar. Incentivar-se esse tipo de correspondência generosa sem perder a densidade. Dessa forma o conhecimento que é produzido não ficaria tão restringido. A sociedade como um todo só tinha a ganhar.

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