Call centers: incubadores de precariedade

Os call centers que proliferam pelo país, empregando milhares de pessoas, muitas delas jovens e ainda estudantes, aproveitam-se da incerteza no mercado de trabalho para conquistar, através de prémios e remunerações que posteriormente não se confirmam.

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Na semana em que sabemos que a Altice vai recrutar mais 2000 operadores de call center, é importante relembrarmos que estes operadores são o exemplo paradigmático da precariedade na juventude dos nossos dias. São autênticas máquinas de criação de precários e assumem a dianteira na tendência da desregulação do mercado de trabalho. É desregulação o termo a aplicar e não flexibilidade.

Os call centers que proliferam pelo país, empregando milhares de pessoas, muitas delas jovens e ainda estudantes, aproveitam-se da incerteza no mercado de trabalho para conquistar, através de prémios e remunerações que posteriormente não se confirmam, jovens universitários que saem do ensino superior ainda com grandes dificuldades económicas e sem perspectivas de emprego na sua área de formação. São muitos os ainda universitários que desempenham este tipo de funções para angariar mais uns trocos, facilitando um pouco as contas caseiras.

Deste modo, as empresas que exploram estes call centers não têm de se preocupar com a reivindicação insistente destes trabalhadores por melhores condições de trabalho, porque eles próprios assumem a coisa como temporária e fugaz. Mas é assim que estas empresas prosperam, com recurso a mão-de-obra temporária, recorrendo de forma abusiva, na minha opinião, a empresas de recrutamento de trabalho temporário, lançando mão de forma desmesurada ao contrato de trabalho temporário que inflige o sentimento de insegurança a todos estes operadores. Ademais, estas empresas têm técnicas de persuasão e motivação que fariam corar de vergonha qualquer charlatão profissional.

Por diversas vezes, à porta de um call center onde distribuía documentos, era confrontado com as maravilhas deste trabalho por parte dos chamados supervisores, que insistiam na existência de uma real possibilidade de crescimento profissional e progressão de carreira no seio destas empresas. É uma técnica interessante que o novo capitalismo usa para dividir trabalhadores que consiste em criar uma teia de falsas hierarquias, distribuindo alegados cargos de poder a que atribuem o nome de supervisores. Na realidade, os detentores destes cargos são trabalhadores como os outros, desempenhando praticamente as mesmas funções e auferindo praticamente o mesmo rendimento. São criadas equipas que competem entre si, na persecução de mais vendas e mais contratos celebrados, instituindo um sistema de metas e objectivos que alimentam o espírito competitivo entre operadores.

As condições de trabalho são deploráveis, obrigando estes trabalhadores, que não beneficiam de qualquer protecção laboral, a atender muitas chamadas de uma empreitada, com pausas reduzidas, horários rotativos e muita pressão para celebrarem contratos. É um trabalho que se centra nos resultados e não no caminho que se percorre para os obter, constituindo assim um desvio da natureza real de um verdadeiro contrato de trabalho. Aliás, os contratos nem sequer são celebrados com a empresa que tem a necessidade de integrar estes trabalhadores, mas sim pelas empresas de recrutamento, fazendo que estes trabalhadores sejam trabalhadores de ninguém. É o que gosto de chamar de capitalismo sem rosto.

Se empregar pessoas é algo positivo e necessário, mais importante é perceber que o trabalho tem de ser realizado em condições dignas de estabilidade e remuneração, sob pena de deixarmos perpetuar estes moldes de contratação que a mais ninguém beneficia além das grandes empresas que retiram lucros obscenos às custas de milhares de precários.

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