Vendem-se mais casas com um nu integral?

Especialistas comentam nova campanha de portal imobiliário. “O nu masculino é quase um reequilíbrio da sociedade”, diz Carlos Coelho, especialista de marcas.

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A nova campanha do portal imobiliário Idealista recorre à imagem de um homem nu para ilustrar a facilidade de utilização da nova aplicação para telemóvel DR

Um homem em nu integral a ver-se ao espelho. Com o telemóvel na mão, diz “Bem, vamos lá ver o que encontro hoje”. Entretanto na cama, já de boxers vestidas, comenta o que vê o no telemóvel: “Está bem conservada, mas prefiro mais novas” ou “Ui, que belas prateleiras”. Ainda que possa não parecer, a descrição é a de um anúncio de um portal imobiliário.

A nova campanha ‘App’ do portal imobiliário Idealista recorre à imagem de um homem nu e seminu para ilustrar a facilidade de utilização da sua nova aplicação para telemóvel. O anúncio “brinca com o duplo sentido de uma pessoa que está à procura da casa dos seus sonhos” na aplicação do Idealista, “como se estivesse à procura da sua cara-metade numa aplicação de encontros”, explica ao PÚBLICO, por e-mail, o responsável pela comunicação da marca em Portugal, Rúben Marques. O público-alvo da campanha são os millennials​, a geração que inclui os nascidos entre 1980 e 1995.

Se o Idealista, avança Rúben Marques, está satisfeito com o “resultado da campanha” e tem “feedback positivo”, especialistas na matéria garantem que a utilização do corpo tem um único objectivo “chocar”.

Carlos Coelho, especialista em marcas, defende que este tipo de “comunicação privilegia a notoriedade”. “Brincar com o corpo não é uma coisa que se deva fazer de ânimo leve”, sublinha o presidente da agência Ivity Brand Corp, que não é responsável por este anúncio.

A notoriedade conseguida, salienta Carlos Coelho, raramente se traduz em relação do público com a marca, que fica “conhecida, mas não pelas melhores razões”. O especialista recorda o caso de uma marca de detergentes, em 2017, que também utilizou homens seminus para promover o produto. “Quando usamos estas técnicas de notoriedade, a médio prazo não resultam”, alerta o presidente da Ivity Brand Corp. O consumidor pode recordar-se bem de uma determinada campanha, mas raramente vai comprar o produto promovido.

Rúben Marques, responsável de comunicação da Idealista, explica que foi pedido à agência publicitária “um spot que mostrasse a inovação e juventude do Idealista, de forma a conseguir captar a atenção do público”. Carlos Coelho considera, no entanto, que este tipo de anúncios pode “desalinhar a marca dos seus princípios”.

Objectificação do corpo masculino

A investigadora do Centro de Psicologia da Universidade do Porto, Sara Isabel Magalhães, defende que “a exploração da imagem do corpo é sempre desadequada”.

Se assim é, por que razão o corpo continua a chamar tanto à atenção na publicidade? “A questão do corpo é sempre associada a coisas tabu e isso gera curiosidade”, responde a investigadora, que se tem dedicado à investigação na área dos estereótipos de género na publicidade e revistas femininas.

O anúncio da Idealista pode ser, desta forma, um caso de objectificação do sexo masculino. O PÚBLICO questionou o responsável da marca sobre esta questão, mas Rúben Marques preferiu não responder.

Durante décadas, as mulheres foram alvo de objectificação por parte da indústria publicitária, mas agora a tendência poderá ser outra — além do anúncio ao detergente, quem não se lembra de outro a uma margarina? “O nu masculino é quase um reequilíbrio da sociedade”, comenta Carlos Coelho. Sara Isabel Magalhães considera que este tipo de abordagem trata o corpo do homem como “um objecto e não um ser-humano”.

Carlos Coelho termina com uma questão: “Qual o interesse que uma marca tem em conseguir notoriedade separada da sua essência?”. Para Sara Isabel Magalhães a resposta é só uma, trata-se de “uma estratégia fácil” para ter atenção

Texto editado por Bárbara Wong

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