Revolução, a quanto obrigas

Nuno Cardoso encena estes quatro actos de tensão política e social com um olho na actualidade.

Georg Büchner
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Nuno Cardoso encena estes quatro actos de tensão política e social com um olho na actualidade, como não podia deixar de ser
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Curto e grosso: as peculiaridades da Revolução Francesa sintetizam-se, nesta peça de 1835, nas ideias e atitudes contraditórias e conflituosas e trágicas que geraram a feroz oposição entre Georges Danton e Maximilien Robespierre. Vai acabar mal para os dois e para muitos outros, mas por enquanto é o segundo quem leva a sua avante. Mais por manha ideológica e esquinado, mas convicto, sentido do “dever” do que por ousadia, que essa pertencia ao outro, nesta batalha entre a poesia, a ordem e o devir da revolução. O que para Nuno Cardoso é oportunidade para reflectir sobre como o idealismo se transforma em prática e como as revoluções, digamos, dinamizaram as sociedades contemporâneas. 

Fosse Georg Büchner (1813-1837) escritor sem talento e a Morte de Danton bem podia ser pouco mais do que um panfleto dramático redigido pelo revolucionário que era. Por isso, o dramaturgo alemão a modos que efectua uma autópsia, inevitavelmente superficial, longe dos compêndios de História (e também das convenções teatrais da época), à mãe de todas as revoluções através do cerco, da condenação e da morte a um dos seus pais; idealista ultrapassado pela realidade, pela prática do novo poder, descontente com a cristalização do seu ideal numa ordem autoritária e dogmática exercida em nome da pureza original de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ainda assim, este Danton (Albano Jerónimo) desencantado, que verifica o caos do mundo enquanto reclama de si e dos seus a audácia necessária à vitória, vive entre a impotência e o lamento, consumindo-se no seu conflito interior, ao mesmo tempo que o tenta afogar em álcool e sexo, e, paradoxalmente, perseguir a quimera de retomar o sonho que o incorruptível Robespierre (Nuno Nunes) está à beira de tornar no Reinado do Terror.

Nuno Cardoso encena estes quatro actos de tensão política e social com um olho na actualidade, como não podia deixar de ser, porém sem a impor, pois a substância da sua leitura parece permanecer fiel à interrogação do original: afinal o que é uma revolução depois da festa?, deixando aos espectadores o trabalho de estabelecer as relações que muito bem entenderem ou mais lhes convierem. O que em palco se traduz em movimento frenético dos actores; as suas múltiplas personagens pouco a pouco chocando com a realidade, a desventura; a desilusão conflituando com o desejo e a crença de que tudo é passageiro e que a Razão triunfará sobre o despotismo, aos poucos procurando o seu anticlímax… e o cadafalso.

Ora, é aqui que a reflexão sobre a violência como único caminho para a virtude das revoluções se desencontra de um trajecto cénico até aí escorreito. Subitamente, como as trevas desenhadas pela luz de José Álvaro Correia caem sobre o cenário industrialmente opressivo de F. Ribeiro, a acção esmorece, como se a chama que alumiou os primeiros actos se extinguisse numa espécie de agonia. A agonia de quem criou um labirinto e não lhe encontra a saída. 

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