Ferro Rodrigues avisa para “um certo clima antiparlamentar”

Presidente da Assembleia da República alerta para as tendências que apostam no “imediatismo do estado espectáculo e no decisionismo de circunstância”.

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Ferro Rodrigues discursou na abertura do ano judicial Daniel Rocha

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, alertou esta segunda-feira, no seu discurso da abertura do ano judicial, para o “adensar de um certo clima antiparlamentar” que, “seguindo as modas do populismo vai atravessando o espaço público e encontra pretexto fácil nos descontentamentos do tempo para pôr em causa valores e princípios democráticos, de legítima consagração constitucional e evidente justificação histórica”.

Para Ferro Rodrigues, é necessário estar “alerta face às tendências as mais das vezes inorgânicas e difusas que desprezam o valor de uma pedagogia institucional exigente para a substituir por retóricas que, fazendo tábua rasa da natureza das instituições e da sua razão de ser, apostam no imediatismo do estado espectáculo e no decisionismo de circunstância”.

Sublinhando que o Parlamento é “a pedra angular da democracia” que “não abdica da sua autonomia” face a “presunções de regeneração justicialista”, o presidente da Assembleia da República avisou que vai continuar a defender “certos institutos inerentes à dignidade da instituição parlamentar”, em particular “o regime da inviolabilidade, insindicabilidade judicial dos deputados pelos seus votos e opiniões, imunidades e impedimentos”.

“Se não for corajosamente preservada no presente, implicará a inevitável decadência do regime no futuro, às mãos dos inimigos da liberdade e dos arautos dos autoritarismos, dos providencialismos e tantas outras variantes musculadas dos inimigos da democracia”, defendeu.

Sem nunca se referir a nenhum partido ou deputado, Ferro Rodrigues acabou por evocar o diferendo que teve em plenário com o deputado do Chega, André Ventura, quando se referiu à “confusão entre níveis de responsabilização política ou até do dever de advertência, no plano dos procedimentos e suas consequências previstas para condutas internas inadequadas”.

Essa confusão, disse, “parece animá-los na tentativa de legitimar procedimentos de investigação indiscriminada em busca de potenciais prevaricadores, para além dos próprios critérios de adequação que o Parlamento assuma para si próprio”. Mas, sublinhou, “acontece que o Parlamento é, por natureza, o órgão de Estado mais transparente e mais escrutinável entre todos”, pois “todos os dias os seus deputados são avaliados à luz da opinião pública e publicada”.

O presidente da Assembleia da República acrescentou que foi em nome da ética que foi constituída, nesta legislatura, uma comissão específica para a Transparência e o Estatuto dos Deputados, enaltecendo a aprovação das regras daquela comissão, em particular aquelas que exige para o levantamento da imunidade parlamentar dos deputados.

“Creio que é assim que melhor poderemos servir a causa tanto da identidade do órgão de soberania Assembleia da República como da saudável cooperação, baseada na confiança, entre instituições, com relevo para as do sistema de justiça, compenetrando-se cada uma delas do seu campo de actuação, dos seus limites e do respeito devido à natureza de cada uma”, disse.

Para Ferro Rodrigues, é preciso “fazer consistentemente a pedagogia do Estado de Direito Democrático, dos seus valores e dos seus princípios” e que “a dimensão da justiça está, como não poderia deixar de ser, na linha da frente desse desígnio”.

“Eficácia”, mas com “decência”

De acordo com o presidente da Assembleia da República, voltarão ao Parlamento os debates sobre formas mais eficazes de combater a criminalidade, especialmente a mais grave e ligada à corrupção e aos tráficos. Uma referência clara ao pacote anticorrupção anunciado pelo Governo no final do ano passado.

Sobre ele, Ferro Rodrigues deixa um aviso: “Pela minha parte acredito que quaisquer respostas que busquem a necessária eficácia da justiça têm simultaneamente de buscar a necessária garantia da decência, entendendo por isso a vinculação ao princípio da legalidade sem cedência a espaços de arbítrio, de protecção utilitária, de insuficiência de apuramento justo dos factos e da culpa, com salvaguarda do julgamento e do contraditório”.

Ferro Rodrigues diz que ainda acredita que,” apesar de todos os problemas e das insuficiências de resposta dos poderes públicos às constantes exigências de uma sociedade em mudança, os valores fundadores da revolução do 25 de Abril, plasmados e sucessivamente reafirmados na Constituição da República, estão aí para durar na história do Portugal do Século XXI”.

Porém, afirmou que “não deixará de haver quem os queira rever com critérios distintos do da defesa intransigente da dignidade da pessoa humana”. 

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