JB fala de cultura pop portuguesa no YouTube — porque mais ninguém o faz

Passou de um blogue já cansado para um canal de YouTube novo em folha onde fala de cinema, videojogos e séries. JB Martins é a cara (que nunca aparece) nos vídeos do CINEBLOG. Porque “a cultura popular portuguesa é tão interessante como qualquer outra”.

Foto
SÉRGIO AZENHA

Ainda não tinha sete anos quando os avós lhe ensinaram a beleza do cinema português. Viveu rodeado d'O Pátio das Cantigas e sabe de cor as falas d'O Pai Tirano. Das adaptações dos clássicos portugueses não gosta, diz que são “muito más” e que “perderam a magia”, mas ainda continua a voltar aos filmes da sua infância. Anos mais tarde, foi a tia quem lhe mostrou como se fazia cinema nas Américas dos anos 80, com o Regresso ao Futuro, o preferido dos preferidos. A arte e a cultura sempre estiveram muito presentes na vida de JB Martins —​ e isso vê-se no ambiente que agora o rodeia. Na sala onde recebe o P3, na sua casa em Coimbra, há livros, figuras de acção, adereços, filmes e colecções de séries por todo o lado, tudo relacionado com cinema, jogos e séries.

Falar de cinema sempre foi algo natural, mas só anos mais tarde é que o youtuber percebeu que o seu simples interesse se poderia tornar num hobby “a sério”, que hoje o leva a falar para uma audiência de mais de três mil pessoas. Primeiro apareceu o CINEBLOG, logo em 2003; agora, há coisa de um ano, surgiu o canal do YouTube com o mesmo nome, “lugar” digital onde fala de cinema, videojogos, enfim, da cultura portuguesa, sem nunca aparecer em frente à câmara. Usa, em alternativa, gráficos, texto, excertos de vídeos, narração. A profissão também o ajuda — trabalha em comunicação institucional e formou-se em Jornalismo na Universidade de Coimbra, onde aprendeu as habilidades que agora aplica no canal: a edição, a gravação de som, a manipulação de imagens, a investigação, a pesquisa.

“No blogue falava de notícias, críticas de cinema, publicava trailers, era o que se fazia na altura. Toda a gente queria ser crítico de cinema quando se começava a gostar da área. Nessa altura não havia muitos sites em Portugal que falassem destes temas, então quem os pesquisasse ia ter directamente a estes pequenos blogues. Criava-se uma comunidade interessante”, explica JB Martins ao P3, sentado na divisão a partir de onde tudo acontece.

Uma “identidade secreta”

Em 2003, conta, a Internet era um lugar diferente. “Não existia a facilidade em divulgar a identidade” que agora existe. Foi por isso que optou por utilizar não o seu nome verdadeiro, mas um alternativo, uma espécie de identidade secreta. E assim nasceu JB Martins — a identidade real, que acaba por revelar em conversa com o P3, é mantida no segredo dos deuses para, quem sabe, preservar o mito. 

Depois do blogue, que o acompanhou dos 17 (altura em que o criou) até aos 34 anos (que agora tem) e que até chegou a ser casa da sua banda desenhada A Garagem de Kubrick, veio o canal do YouTube. Porque o mundo e a Internet evoluíram — e ele também. “As pessoas agora já não vão aos sites, a informação vai ter com elas e aquilo que eu fazia no blogue deixou de fazer sentido e apareceu o YouTube”, diz.

A possibilidade de um podcast ainda esteve em cima da mesa, numa altura em que o formato começava a ganhar popularidade. Mas, se por um lado, JB não tinha recursos suficientes para o produzir com qualidade, por outro o formato também era limitado para o que o criador desejava fazer. “Quando procuramos no Google qualquer filme americano aparecem centenas de referências, mas com Portugal isso não acontece. E o YouTube português é quase todo composto pelos vídeos que todos conhecemos, de humor e tutoriais de maquilhagem. A cultura popular portuguesa é tão interessante como qualquer outra e não aparece muito.”

Foto
JB Martins tem 34 anos e vive em Coimbra SÉRGIO AZENHA

Havia um espaço a preencher. Lá fora, já existiam canais que divulgavam a cultura dos países com recurso a imagens, vídeos, à voz (como os exemplos da Vox), mas não em Portugal; e JB queria (e quer) mudá-lo. Ao ver um episódio de Rick and Morty, teve a ideia para o primeiro vídeo: quando uma série é legendada, o profissional deve traduzir palavra por palavra o que é dito ou deve adaptar o texto ao que faz sentido na língua do país? Acabou por entrevistar Susana Loureiro, responsável pelas legendas da série da Netflix, para debater esta ideia. Tentar ter alguém que, de alguma forma, esteja ligada ao assunto e que dê sua perspectiva no vídeo é quase mandatório. “No segundo já tentei perceber o porquê de em Portugal legendarmos os conteúdos em vez de os dobrar. Foi uma mistura entre a cultura portuguesa e o cinema português”, explica.

Uma semana de pesquisa

O processo é quase sempre o mesmo. A ideia surge, por vezes até sugerida por um subscritor. Depois começa a fase de pesquisa, "o mais chato” e que pode demorar uma semana. A edição e a locução são mesmo o último passo antes da publicação. Nos 34 vídeos disponíveis do canal, houve tempo para falar dos famosos risos enlatados das séries, da nostalgia dos anos 80, das novas versões de filmes antigos ou do fenómeno do Dragon Ball em Portugal. Num dos últimos, e mesmo a tempo da época festiva, debruçou-se sobre o primeiro filme de Natal. 

“Fui procurar por curiosidade todos os filmes de Natal feitos até agora à Wikipédia. Vi que o primeiro era de 1937, o que eu sabia que não era verdade porque já tinha encontrado informação de um de 1890. Depois fui à procura de informação sobre este primeiro filme e acabei a fazer um vídeo sobre os primeiros filmes de Natal de sempre”, conta o cinéfilo. 

Mas nem só de cinema vive o CINEBLOG, até porque JB não teria temas para todas as semanas e não poderia publicar com a regularidade que deseja. No último ano desenvolveu uma minissérie sobre a história dos videojogos portugueses, um tema menos explorado que também faz parte da cultura portuguesa e que já conta com três episódios: “Gostei muito de fazer estes vídeos porque em Portugal temos algum passado de videojogos que, apesar de não ser grandioso, envolveu muita gente que gostou de os fazer  mesmo que não tenhamos uma indústria grande. E até foi fácil chegar a essas pessoas para contarem a sua história nos nos vídeos.”

Um encontro cultural e culinário

“E já participei num vídeo de outro youtuber”, anuncia, entusiasmado. “Com o tempo”, explica, “fui conhecendo pessoas da comunidade, até que me pediram para entrar num vídeo de culinária”. O convite partiu do Chefe Jamon que lhe propôs que explicasse no seu canal a diferença entre crème brûlée e o tão português leite-creme — o vídeo termina, como esperado, com a receita dos dois doces. “Agora tenho de arranjar maneira de o ter no meu canal. Pô-lo a fazer a receita de ratatouille do Remy”, graceja JB, aludindo ao famoso filme de animação do rato chef

Para o jovem, “claro que fazem falta” mais canais como o CINEBLOG em Portugal. Até porque no YouTube existem especialistas em quase todas as áreas. “Se queremos aprender filosofia há alguém que o ensine ou a filmar de forma profissional. O problema cá é que as pessoas vão para o YouTube a pensar que vão ser grandes estrelas e depois desmoralizam”, desabafa. “Eu não tenho esse objectivo e nunca me entusiasmou mostrar quem sou em frente à câmara. Sempre acreditei na teoria de que devemos tentar fazer o melhor com o que temos. Com o estilo de vídeos que faço, consigo fazer o que gosto.” Faz uma pausa, como se fosse fazer uma confissão, e diz: “Apresentar de forma fixe um tema que até podia ser aborrecido.” Como uma injecção de cultura.

Sugerir correcção
Comentar