"O Pátio das Cantigas": meio milhão depois, o quebrar da barreira

Numa época em que as idas aos cinemas estão em recessão, mais se destaca o número alcançado pelo "Pátio das Cantigas"

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"O Pátio das Cantigas", de Leonel Vieira, chegou esta semana à fasquia dos 500 000 espectadores no mercado interno, tornando-se no filme português mais visto de sempre no país. Já escrevi aqui acerca do filme em questão, a propósito da adaptação, mas parece-me que urge agora reflectir acerca do que significa este fenómeno de audiências para o cinema feito em Portugal.

Em primeiro lugar, é improvável que este resultado tenha caído do céu aos trambolhões. Mais um ponto de chegada do que um ponto de partida, o sucesso do filme deve-se em parte a uma "tour de force" colectiva, embora não concertada. O cinema português é, ainda hoje, um cinema estigmatizado e visto pelo grande público como uma expressão elitista e auto-indulgente para exportação. Mas o facto é que alguns filmes (tanto populares como de autor) foram tendo relativo sucesso por cá. Porém, estas foram circunstâncias relativamente isoladas, tornando difícil reconhecer um padrão de adesão à marca "cinema português" no tempo. O pontilhismo era demasiado disperso para formar um todo perceptível enquanto tal.

A semente da mudança foi plantada há cerca de dois anos, com "A Gaiola Dourada", que ironicamente é um filme francês mas que se detém sobre questões portuguesas e que foi recebido como uma obra nacional por isso mesmo. Depois vieram num curto espaço de tempo outros filmes com preocupações comerciais que entraram para o "top" das obras mais vistas: "Os Maias", de João Botelho, "Os Gatos Não Têm Vertigens", de António-Pedro Vasconcelos e, por fim, "Capitão Falcão", de João Leitão. Nem os números de espectadores que viram todos estes filmes chegam perto do meio milhão do "Pátio", mas creio que abriram caminho para que a apoteose fosse real.

Melhores condições de exibição

Depois, há que notar que, cada vez mais, os filmes portugueses conseguem melhores condições de exibição. É verdade que o cinema português tem uma desigualdade interna enorme e que sofre de um desnível brutal em relação ao cinema americano (há filmes portugueses que são distribuídos apenas por um punhado de salas e que se mantêm apenas uma semana em exibição), mas esse paradigma está paulatinamente a mudar. Isto apenas sucede porque o cinema português oferece hoje confiança às empresas de distribuição e prova reiteradamente que quer e pode ser lucrativo.

Aliás, este meio milhão é também extraordinariamente notável devido ao contra-ciclo que representa. Numa época em que as idas aos cinemas estão em recessão, mais se destaca o número alcançado pelo "Pátio das Cantigas", que inclusivamente ficou à frente do novo "Missão Impossível".

Por fim, note-se que o cinema português resistiu durante décadas às novas dinâmicas da economia do cinema (e.g. o "product placement", que é rotineiro até mesmo no cinema alternativo e que pagou uma fatia importante do filme), num país que só há pouco tempo entendeu a importância de adoptar estratégias simbióticas. Creio, por isso, que a longo prazo todo o cinema português poderá beneficiar desta valorização consistente por parte do público, virando assim a página e deixando para trás uma narrativa de insucesso.

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