Fazer o trabalho avançar, uma microtarefa de cada vez

Num mundo de distracções, a empresa que domina o software para trabalhadores de escritório está a experimentar o conceito de microprodutividade.

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Miguel Madeira (Arquivo)
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A crer na miríade de relatos online, esta é uma sensação comum a muitos dos que passam em frente ao computador longas horas que deviam ser de trabalho: chega-se ao fim do dia, o tempo esvaiu-se, umas tarefas foram feitas e outras ficaram por fazer, e resta um vago sentimento de culpa por se ter passado demasiado tempo nas redes sociais, a ponderar compras online ou a ler a Wikipedia.

Não é novidade que o mundo digital trouxe distracções que mudaram a forma como lemos e trabalhamos, e que estão a encurtar a capacidade de atenção. Porém, aqueles dias de deambulações pela Internet nem sempre são fruto da falta de foco do trabalhador de escritório e o resultado nem sempre é negativo.

É argumentável, por exemplo, que períodos de ócio podem conduzir a períodos de grande produtividade. Além disso, as ferramentas modernas encurtaram o tempo necessário para executar muitas tarefas (incluindo aquelas que implicam comunicar com outras pessoas à distância), sem que, no caso de muitas empresas, tenha mudado o conceito do que deve ser um dia de trabalho.

“Temos mais tempo, mas não sentimos que o temos”, disse em tempos ao PÚBLICO a socióloga Judy Wajcman, autora do livro Pressed for time. No livro, Wajcman reflecte sobre o impacto das tecnologias de informação na forma como nos relacionamos com o tempo e argumenta que ter uma vida muito ocupada com trabalho tornou-se algo sobrevalorizado num mundo empresarial obcecado com a produtividade.

Há também a tese de que muitos empregos simplesmente não são necessários, mas ainda assim existem e obrigam quem os tem a uma sucessão de tarefas inúteis (ou, até, a dias sem qualquer tarefa). A ideia foi aflorada pelo antropólogo David Graeber num ensaio publicado online em 2013 que se disseminou pela Internet, acabando por levar o autor a escrever todo um livro sobre o assunto, apropriadamente intitulado Bullshit Jobs. Nos casos menos maus dos bullshit jobs descritos por Graeber, os empregos não são inteiramente inúteis, mas podem ser feitos com apenas duas ou três horas de trabalho por dia.

E é neste cenário que entram as experiências com microtarefas feitas pela Microsoft, talvez a empresa que mais transformou o trabalho de escritório no último meio século — e que tem a capacidade para influenciar a produtividade de milhões de pessoas com as funcionalidades que acrescenta a software como o Windows, o Office e o Outlook.

Investigadores da Microsoft fizeram uma experiência em que mostravam no feed do Facebook pequenas tarefas de edição de um documento do Word (por exemplo, tornar uma frase mais curta). O utilizador podia fazer a tarefa sem sair da rede social (graças a uma extensão instalada no navegador Chrome) e o resultado era automaticamente transposto para o ficheiro do Word.

Os resultados, conta agora a revista Wired, foram suficientemente positivos para que os investigadores da Microsoft estejam a ponderar outras abordagens, como enviar as microtarefas por email. “É como desbastar o documento. É tempo que normalmente estaria a desperdiçar”, terá dito um dos utilizadores-cobaia.

Não foi a estreia da Microsoft neste campo. No ano passado, investigadores da empresa criaram uma aplicação chamada Play Write, que dividia a tarefa de trabalhar num documento do Word em várias microtarefas: editar frases, corrigir a ortografia, responder a comentários. Os utilizadores podiam seleccionar um tipo de microtarefa ou decidir se queriam fazer o máximo número possível de microtarefas num determinado período de tempo: dois minutos, três minutos ou cinco minutos.

A Play Write foi depois usada numa pequena experiência (com apenas 16 participantes, descritos como trabalhadores de uma grande empresa tecnológica). Estes deviam usar a aplicação no telemóvel ao mesmo tempo que, num computador, viam vídeos humorísticos com vários anúncios pelo meio. Presumivelmente, o tempo dos anúncios seria usado para trabalhar. Os resultados não foram brilhantes, mas também não foram maus, concluíram os investigadores.

Talvez se esteja assim a desenhar o futuro do trabalho de escritório: ir trabalhando aos poucos nos intervalos do scroll nas redes sociais e dos vídeos no YouTube. Como qualquer visita a um escritório moderno pode demonstrar, nem sequer é preciso uma aplicação especial para isso.

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