O acontecimento foi Slow J, a revelação foi Orville Peck

O segundo e último dia de festival Super Bock em Stock, em Lisboa, mostrou um Coliseu rendido ao músico nascido João Coelho em Setúbal e um cowboy mascarado a conduzir-nos por um universo country alternativo.

Concerto de rock
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Show
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Show
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Slow J Francisco Romão Pereira
,Concerto de rock
Fotogaleria
Curtis Harding Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Curtis Harding Francisco Romão Pereira
,Guitarra
Fotogaleria
Curtis Harding Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Viagra Boys Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Viagra Boys Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Viagra Boys Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Vum Vum Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Vum Vum Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Orville Peck Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Orville Peck Francisco Romão Pereira
Concerto de rock
Fotogaleria
Orville Peck Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Orville Peck Francisco Romão Pereira
Fotogaleria
Orville Peck Francisco Romão Pereira

Ele tem qualquer coisa. Tem que ter, para que aquele público no Coliseu cante as letras das canções, palavra a palavra, por vezes sem que ele mesmo as cante. Caminha lentamente pelo palco que ocupa sozinho, sorriso nos lábios, e ouve as vozes em uníssono: “Tudo o que vês é tua criação / Bem-vindo à tua ressurreição” - era “Mea culpa”, e a canção acaba e ele sorri, “vocês vão deixar-me mal habituado”. Mais à frente, só é necessário ouvirem-se os farrapos de voz embrulhada em autotune que anunciam “Silêncio” para que tudo se repita.

O Coliseu a cantar as letras do recente You Are Forgiven, álbum lançado de surpresa em Setembro, o segundo de Slow J, a acompanhá-lo na cadência lenta da voz grave - “Eu queria incendiar o sumo, motivar o puro / Motivado por essa mensagem de Mandela e Tupac Shakur”.

Dos concertos a que assistimos no último dia de Super Bock em Stock, sábado, o do músico nascido João Coelho em Setúbal foi aquele que mais se aproximou de acontecimento, pela forma como a qualidade da música em palco se uniu à emoção provocada na plateia – em menor escala, destaque para o cowboy Orville Peck que, actuando na Casa do Alentejo, terá sido para aqueles que lotaram a sala uma das revelações do festival. Mas adiantamo-nos. Era de Slow J que falávamos.

Foto
Slow J no Coliseu Francisco Romão Pereira

Um homem em palco, sozinho com a sua música, em viagem interior que é recebida pelo público como se fossem também suas as dores, inquietações, superações e trajectos que rappa e canta. Ele tem qualquer coisa e isso está no peso certo das palavras e está na envolvência da música que cria, onde se ouvem guitarras em acordes reflectivos e órgãos de lamento e negrume como pano de fundo para os beats de graves cavos que, mesmo quando aumentam em ritmo e intensidade, parecem habitados por uma certa desolação, um abandono justo para com o temperamento dos versos. É essa a sua verdade e não temos como não acreditar.

Por isso, ele pode até interromper a Silêncio que se perdera a meio caminho por sobressaltos técnicos e, sem constrangimentos, disparar: “Que acham de fazer isto outra vez?”. Toda a gente achou bem, nenhuma mácula a registar, concerto em crescendo até à despedida com essa Vida boa que mostra como em Slow J, pertencendo tão obviamente ao seu tempo, existe algo do dramatismo clássico da grande canção de outras décadas (a de 1970, por exemplo). Na despedida da 11ª edição do festival, pertenceu-lhe o destaque mais óbvio. Actuou, ainda assim, perante um Coliseu fervoroso, mas distante das enchentes que testemunhámos na mesma sala noutras edições.

Uma viagem paralela à country com Orville Peck

Um festival como o Super Bock em Stock, raridade quando do seu aparecimento pelo formato, assente na distribuição de concertos por várias salas lisboetas do eixo da Avenida da Liberdade, algo que entretanto já tem réplicas país fora, obriga à escolha. Ver todos os concertos é, naturalmente, uma impossibilidade. Não sabemos, assim sendo, o que trouxe o regressado Josh Rouse, um dos nomes sonantes, ao Tivoli – estávamos com Slow J. Mas sabemos que os suecos Viagra Boys, punks espalha-brasas de cerveja na mão, humor seco e pose irrequieta, podiam ter assinado um dos momentos da noite, imediatamente antes de os Haute fecharem a noite no Coliseu, não fosse o som demasiado baixo, frustrantemente contido, que, na Estação Ferroviária do Rossio, diminuiu o impacto de música que exige volume e intensidade – o mesmo haviam sofrido horas antes, no mesmo local, os Baleia Baleia Baleia.

Antes, ao início da noite, o Palácio da Independência transbordou para ouvir as canções de Marissa Nadler. Perto das 22h, o magnífico salão da Casa do Alentejo tornou-se, com o seu charme antigo, cenário perfeito para acolher o cowboy mascarado, de longas farripas caindo da máscara e tapando-lhe totalmente o rosto, que liderou a sua banda com voz de crooner, qual Elvis fantasmagórico, por uma viagem a uma vida paralela da country.

Foto
Orville Peck na Casa do Alentejo Francisco Romão Pereira

Houve versões de Gram Parsons e alusões à Lonesome town de Ricky Nelson em Nothing fades like the light. Houve a revelação de que Peck estava na sua segunda casa (contou ter vivido na infância em Lisboa), houve country-rock assombrado pelos espíritos dos Gun Club e dos Velvet e houve essa belíssima balada para cinema de Lynch, para banda-sonora de Tarantino, que é Dead of the night e o seu mantra recorrente, “see the boys as they walk on by”. Orville Peck cativou pela singularidade, pela forma como tornou peculiar, pela sua figura e interpretação, um som clássico como é o country-rock. Pouco antes, no Coliseu, um dos nomes mais aguardados do segundo dia, Curtis Harding, não foi totalmente feliz no mesmo propósito.

Assumido como soul man de corpo inteiro – e colorido psicadélico – em Face your fear, Harding surgiu acompanhado por uma banda irrepreensível e, agitando a pandeireta ou tocando guitarra, guiou a sua voz versátil por canções que, ora replicavam na perfeição a crueza soul da Stax, ora a opulência dos arranjos de Curtis Mayfield. O cenário musical foi construído de forma imaculada, mas pareceu sempre faltar-lhe um qualquer golpe de asa, uma chama que inflamasse aquelas canções e que nos fizesse ver mais Curtis Harding e menos os heróis com os quais se construiu.

Por falar em heróis, num dia em que também passaram pelo festival Helado Negro, Bruno de Seda ou Col3trane, viu-se um surgir discretamente no Maxime. O seu nome é Vum Vum e é o angolano, dono de uma voz que impressiona pela poder e pelo alcance, que há cinco décadas nos ofereceu essa bomba funk, semba e rock'n'roll intitulada Muzangola. Actuou no renovado (e irreconhecível) Maxime, insubstituível pedaço de história da qual, tragicamente, nada foi poupado nesta versão moderna, e foi incitador de baile, contador de histórias e homem a falar ainda, com verve, de sonhos para cumprir. Deixou-nos vontade de o encontrarmos mais vezes, que aquela voz não pode ficar longe de nós tanto tempo.

Com Vum Vum, um desejo de reencontro rápido. Com Orville Peck, uma descoberta feliz. Com Slow J, um dos concertos do festival, para juntar aos que Michael Kiwanuka e que Angélica Salvi haviam assinado na sexta-feira.

Sugerir correcção
Comentar