Imagens de jovem baleado levam a escalada de violência em Hong Kong

Nunca se sabe onde vão rebentar os próximos confrontos. A estratégia dos manifestantes é convocar protestos para vários pontos da cidade. A polícia responde com um crescente uso da força.

Fotogaleria
Hong KOng esta segunda-feira JEROME FAVRE/EPA
Fotogaleria
Hong KOng esta segunda-feira JEROME FAVRE/EPA
Fotogaleria
Hong KOng esta segunda-feira JEROME FAVRE/EPA

“Cinco exigências. Nem uma a menos!”. Com máscaras negras ou cirúrgicas a cobrirem-lhes os rostos, os manifestantes pró-democracia que se juntaram esta segunda-feira no centro de Hong Kong gritavam repetidamente a mesma palavra de ordem. Em frente deles, do outro lado da Pedder Street, em Central, a polícia, de capacetes, máscaras de gás e escudos transparentes, observava-os, avaliando a situação.

A tensão crescia. Mais pessoas chegavam para se juntar aos manifestantes. O coro de palavras de ordem aumentava de intensidade. Alguns dos jovens, vestidos de negro, pareciam no controlo das operações, e arrastavam barreiras metálicas de protecção para fechar as ruas em redor.

Poucos metros separavam os dois grupos – o jogo de forças estava instalado. Os manifestantes começaram a levantar um braço no ar, mão aberta, como que a travar simbolicamente a polícia. Ao princípio, apenas alguns, e depois cada vez mais braços erguidos, mãos abertas contra o céu.

Foto
APC

A dado momento, um homem de camisa clara avançou sozinho e ficou parado em frente à força policial. Os jornalistas, também eles de capacetes e máscaras de gás, precipitaram-se para o fotografar. Toda a gente erguia os telemóveis no ar. Em segundos, as imagens eram postadas nas redes sociais.

“Cinco exigências. Nem uma a menos!”, continuaram a gritar os manifestantes, numa referência às reivindicações que há meses vêm fazendo ao Governo de Hong Kong, dirigido por Carrie Lam: retirada da lei da extradição para a China (a que deu origem aos primeiros protestos, em Junho, e a única em que, até agora, Lam cedeu); uma comissão de inquérito para investigar as acusações de brutalidade policial; libertação e amnistia para os manifestantes detidos; a garantia de que os protestos não são classificados como motins; e, por último, o sufrágio universal para o Conselho Legislativo e o Executivo (parlamento e governo).

O duelo em Pedder Street foi apenas um dos muitos incidentes, que, com maior ou menor grau de violência, rebentaram logo de manhã em vários pontos de Hong Kong (a ilha de Hong Kong, Kowloon e os Novos Territórios).

Depois de um domingo marcado pela convocação de protestos para vários centros comerciais, com alguns confrontos entre manifestantes e polícia, segunda-feira, para a qual tinha sido proposta uma greve ao trabalho e à escola, amanheceu em ambiente de alta tensão.

Ao acordar, os habitantes da cidade depararam-se com as redes sociais e a comunicação social a encherem-se de imagens de um manifestante a ser alvejado por um polícia e a cair ferido no chão, num confronto que aconteceu antes das oito da manhã. Pouco depois a indignação com a actuação policial já tinha tomado conta das principais plataformas de comunicação usadas nestes protestos para mobilizar as pessoas.

Rapidamente começaram a surgir notícias de novos incidentes por toda a cidade – num deles, uma discussão terminou com uma pessoa (não visível no vídeo) a atear fogo a um homem. Em Pedder Street, toda a gente esperava uma escalada da situação. “As pessoas não vão sair daqui”, garantiam duas raparigas. “E se estas forem, logo à tarde vêm outras”.

A expectativa era a de que, mais cedo ou mais tarde, a polícia reagisse – e isso acabou de facto por acontecer. Com os manifestantes a avançarem, num desafio, braços erguidos no ar, a polícia preparou-se para responder. Uma agitação percorreu os manifestantes quando, do outro lado, se ergueu uma bandeira negra, avisando que ia ser disparado gás lacrimogénio.

Houve quem fugisse pelas ruas à volta. Outros ajustaram melhor as máscaras e preparam-se para aguentar. De repente, vários traços brancos cruzaram o ar, assobiando, e muitos começam a correr, lenços a tapar o nariz e a boca, tentando proteger os olhos.

Depois de lançar o gás, a polícia recuou e a tensão baixou. Quando o ar pareceu estar novamente respirável, muitos voltaram. Os jovens mais organizados dividiram-se em várias tarefas: alguns escreviam grafitis no chão e nas paredes, outros reforçavam as barricadas com tudo o que conseguiam encontrar para impedir os carros de passar (apesar do incómodo, nenhum condutor reagiu negativamente à indicação de que teria que voltar para trás), e outros colavam nos postes fotocópias com fotografias de vários momentos de violência policial nos últimos dias.

A situação parece ter entrado numa escalada para a qual ninguém consegue prever o fim. “Estamos completamente chocados com tudo isto”, dizia um estrangeiro que observa a cena encostado a uma parede, enquanto verificava no telemóvel se o metro estaria a funcionar.

O metro de Hong Kong, o MTR, tem interrompido frequentemente o serviço em várias estações quando os incidentes se tornam mais violentos, e é acusado pelos manifestantes de fazer o jogo das autoridades ao encerrar mais cedo à noite, numa tentativa de tirar fôlego aos protestos.

A alguma distância de Pedder Street, outro homem, um canadiano a viver em Hong Kong, caminhava apressadamente, mas não resistiu a comentar o que está a acontecer e lançou-se num discurso inflamado, acusando os Estados Unidos de estarem por trás dos protestos, como forma de atingir a China.

Nos últimos cinco meses, desde que os protestos começaram, a sua empresa sofreu quebras de 70%, e, afirmou, a situação financeira está já a tornar-se insustentável. Por isso, está a pensar regressar ao Canadá e encerrar assim uma vida de mais de vinte anos em Hong Kong. 

Sugerir correcção
Ler 38 comentários