ICNF deu luz verde ao aeroporto do Montijo sem estudo de soluções alternativas

ICNF terá mudado parecer entre primeiro e segundo EIA. Localização em zona costeira contraria Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas. Recorde de sobrelotação na Portela confirma urgência do aeroporto complementar

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daniel rocha

Uma possível mudança de parecer do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) entre o primeiro e o segundo Estudo de Impacte Ambiental (EIA), a localização do aeroporto numa das freguesias da Área Metropolitana de Lisboa mais vulneráveis às alterações climáticas, e o recorde de tráfego de passageiros no aeroporto da Portela que, pela primeira vez, teve mais de 30 milhões em 12 meses consecutivos, podem colocar em causa a proposta de Declaração de Impacte Ambiental (DIA) apresentada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

No parecer ao primeiro EIA, que acabou por ser declarado “não conforme” pela APA, levando à elaboração de um segundo estudo, o ICNF defendeu a obrigatoriedade de o projecto fazer “o exame de soluções alternativas”, nos termos do regime jurídico da Rede Natura 2000 (artigo 10.º, n.º 6, alínea d), tendo em conta que o aeroporto do Montijo fica localizado na proximidade imediata da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo e que, sendo exigível uma Avaliação de Impacto Ambiental, teriam de ser estudadas “as soluções alternativas (de localização ou de layout)”.

O segundo parecer, em que o ICNF viabiliza o segundo EIA, não é ainda publicamente conhecido, mas neste último documento continuam sem ser estudadas as “soluções alternativas” que a lei impõe, e que o ICNF exigia, pelo que a diferença, neste aspecto, estará na posição do instituto.

A aparente mudança de posição do ICNF do primeiro para o segundo Estudo de Impacte Ambiental, pode mesmo ser usada pela associação ambientalista Zero na batalha jurídica contra o procedimento ambiental. Em declarações ao PÚBLICO, Carla Amado Gomes, professora de Direito do Ambiente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa diz que, “a confirmar-se este vício, pode invalidar a Declaração de Impacte Ambiental” emitida pela APA.

“Aguardamos conhecer o parecer do ICNF para confirmar que houve violação da lei”, disse ontem ao PÚBLICO Acácio Pires, da associação ambientalista, que vai reforçar a queixa que já apresentou em Bruxelas, por violação da legislação comunitária e está a ponderar avançar com uma providência cautelar para travar o projecto.

Entre os dois pareceres, o ICNF, que é autoridade em matéria ambiental, com poder vinculativo, mudou de presidente.

Risco de cheias

A localização do aeroporto do Montijo numa das freguesias da Área Metropolitana de Lisboa mais vulneráveis às alterações climáticas é, por outro lado, um sinal contrário ao espírito do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas (PMAAC) que a Área Metropolitana de Lisboa concluiu recentemente e que tem apresentação pública marcada para 6 de Dezembro. 

Segundo o capítulo do PMAAC que estuda os “impactes e vulnerabilidades climáticas nas zonas costeiras e de mar”, a Freguesia de Montijo e Afonsoeiro é uma das três que apresentam mais elevados “índices de vulnerabilidade futura a inundações estuarinas” e de “susceptibilidade ao risco”, actual e futura, conforme o Volume II e Volume II – Anexo, consultados ontem pelo PÚBLICO.

O mesmo estudo aponta ainda o Montijo e Afonsoeiro como uma das freguesias da AML com “índices de vulnerabilidade actual e futura a cheias rápidas” no estuário do Tejo.

Na fase final do decurso do procedimento de elaboração do EIA agora avaliado, o Aeroporto da Portela vivia o período de maior lotação da sua história. De acordo com a Vinci Airoports, empresa detentora da ANA Aeroportos, em Março de 2019, o Aeroporto Humberto Delgado completou, pela primeira vez, doze meses consecutivos com uma movimentação mensal de passageiros superior a 30 milhões de passageiros.

Os números da empresa indicam um crescimento homólogo de passageiros, no primeiro trimestre de 2019, de 7,7%, explicado com a “excelente época turística” e com um período em que “o aeroporto de Lisboa beneficiou do recente acréscimo de destinos, incluindo uma ligação com Doha operada pela Qatar Airways”.

Autarcas comunistas falam em decisão “concertada” e “condicionada”

Os autarcas comunistas ouvidos ontem pelo PÚBLICO falam numa decisão “concertada” e “condicionada”. O presidente da Câmara Municipal do Seixal diz que “estava já tudo concertado entre o Governo e a Vinci Aeroportos”. É a única explicação que encontra para a “insistência num aeroporto no Montijo, com todos estes problemas, que não existiriam na opção Alcochete”. Joaquim Santos aponta os desenvolvimentos públicos do processo, ontem, como “encenação”.

As contrapartidas são ridículas e ainda fica mais ridículo quando a ANA coloca em causa os dois barcos para a Transtejo. Parece uma encenação, um golpe de teatro entre a APA e a ANA. Parece uma novela, não apenas com um mau início, mas também com um mau fim”, disse ao PÚBLICO o presidente da Câmara do Seixal.

Também Rui Garcia (PCP), presidente da Câmara da Moita e da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS), arrasa a decisão da avaliação ambiental.

“Perante os enormes impactos negativos, o que deveria ter acontecido era um parecer desfavorável, mas o que veio a prevalecer foi uma forte pressão e condicionamento da parte do Governo e da ANA para conduzir a esta solução”, afirma.

“Quando se decide primeiro e avalia depois, quando sistematicamente se diz que não há alternativa, na prática, o que acontece é que se está a condicionar as decisões da APA e a fazê-lo com argumentos que são falsos, dado que a alternativa do Campo de Tiro de Alcochete existe e é melhor”, defende Rui Garcia.

O autarca da Moita, o concelho mais afectado com o ruído do novo aeroporto, não acredita que as medidas de mitigação possam garantir o bem-estar das populações.

“Os efeitos vão existir de forma tremenda junto da população das freguesias da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira. É possível atenuar alguns efeitos nas habitações, com o necessário isolamento através da colocação de vidros duplos ou caixilharias novas, mas a verdade é que não vivemos permanentemente dentro de casa ou estamos no interior dos edifícios. Quando saímos à rua, quando as crianças vão ao recreio brincar, praticar desporto no espaço público ou estamos a passear no jardim, não há mitigação possível para essas situações e o bem-estar da vida das pessoas da zona afectada vai ser severamente prejudicado.”

No capítulo das acessibilidades, Rui Garcia acrescenta a falta da nova ponte sobre o Tejo. “É inaceitável que se pretenda instalar uma infra-estrutura desta dimensão sem considerar, sequer a médio prazo, a questão da Terceira Travessia do Tejo”

“O que a APA afirma ser necessário são os barcos da Transtejo, entre outras medidas pontuais que são sempre positivas, mas o cerne da questão é a necessidade da terceira travessia, com a componente ferroviária, porque só isso é que pode desbloquear a situação para ligar as duas margens”, defende o autarca comunista.

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