Novo aeroporto. Sociedade para o Estudo das Aves admite recurso aos tribunais: “Isto não é só dinheiro”

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves defende que medidas compensatórias apresentadas já configuram obrigações do Estado, pelo que não podem ser encaradas como tal. E não descarta a possibilidade de agir judicialmente

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Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves está preocupada Daniel Rocha

Nada no comunicado da Agência Portuguesa do Ambiente sobre a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) relativa ao aeroporto do Montijo faz desaparecer as preocupações sobre o projecto que já tinham sido tornadas públicas pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Salvaguardando que a DIA ainda não é pública e que a SPEA quer conhecê-la primeiro, o director executivo da associação, Domingos Leitão, adianta, contudo, que o que é traduzido no comunicado são “falsas medidas compensatórias” e admite que a sociedade avance judicialmente contra a construção do aeroporto.

“Não concordamos com falsas medidas compensatórias. O que está lá previsto são obrigações do Estado português. Não podemos compensar um problema criado pelo projecto pagando uma obrigação que já existe. O aeroporto vem criar novos problemas, novos impactos e não podemos compensar a afectação de uma área com outra área que o Estado português já tinha a obrigação de estar a gerir bem”, diz Domingos Leitão.

Segundo a nota à comunicação social divulgada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) na noite de quarta-feira, a agência emitiu uma DIA favorável condicionada à aplicação de “um pacote de medidas de minimização e compensação ambiental que ascende a cerca de 48 milhões de euros”.

Esclarecendo que a Avaliação de Impacte Ambiental que esteve na origem desta DIA se debruçou sobre três preocupações principais – avifauna (e seu habitat), ruído e mobilidade – a APA impõe como medidas para compensar a perda estimada de 2500 hectares para “nidificação e alimentação das diferentes espécies de avifauna que ocorrem no estuário do Tejo” três pontos em concreto: a definição de “áreas de compensação física com a extensão de 1600 hectares (incluindo, por exemplo, o Mouchão da Póvoa)”; a constituição de um mecanismo financeiro a pagar pelos promotores do aeroporto que dotará o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) de um montante inicial de 7,2 milhões de euros, acrescido de 200 mil euros ao ano, destinados a gerir a área afectada; e a dinamização do CEMPA – Centro de Estudos para a Migração e Protecção de Aves, gerido pelo ICNF.

É sobretudo contra a primeira e a última destas três medidas que Domingos Leitão se insurge, quando diz que o que a APA está a apresentar são medidas que já constituem obrigações do Estado. “O Mouchão da Póvoa faz parte da Reserva Natural do Estuário do Tejo e tem um problema numa comporta há quatro anos, que é obrigação do Estado resolver. O CEMPA existe há mais de 40 anos, o que o Estado tem de fazer é colocar recursos humanos e financeiros suficientes. Não é um projecto que tem um impacte ambiental que vai financiar isso, não pode ser considerada uma compensação. É uma obrigação do Estado português”, advoga.

Sobre a verba de 48 milhões que os promotores do aeroporto terão de pagar para ver a DIA efectivada, Domingos Leitão não se deixa entusiasmar. “Nada do que está naquele comunicado de imprensa é novo relativamente ao que se conhecia do Estudo de Impacte Ambiental. Há ali mais dinheiro do que estava falado, mas isto não é só dinheiro, são precisas verdadeiras medidas de compensação”, argumenta.

Sem referência à segurança

O responsável da SPEA diz ser também “estranho” que o comunicado da APA “não tenha qualquer referência à segurança”, que considera ser “algo muito importante” no projecto do Montijo, já que o choque entre aeronaves e os milhares de aves que vivem no estuário – algumas das coisas de espécies protegidas e de grande porte – é uma probabilidade que sempre esteve em cima da mesa. “Parece que o único problema deste projecto é a conservação da natureza, quando não é. Estranhamos muito que não haja referência nesta manobra de comunicação a esse problema muito grande”, diz.

E essa é mais uma razão para a SPEA querer consultar a DIA, que só se tornará pública dentro de dez dias, antes de emitir uma avaliação final sobre a mesma. Inclusive sobre os passos que a sociedade poderá vir a tomar e que Domingos Leitão admite que possam vir a passar pelo recurso à justiça. “Não está posta de parte a intervenção judicial com recurso aos tribunais para parar este projecto. Não o queremos fazer, preferimos que haja boas decisões administrativas e políticas, mas se tiver de ser, fá-lo-emos, o estuário do Tejo é demasiado importante para a biodiversidade em Portugal e no mundo para não o fazer”, diz.

Em Setembro, após o encerramento da consulta pública ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do aeroporto, a SPEA, em conjunto com outras organizações não-governamentais do ambiente – a GEOTA, FAPAS, A Rocha e a Liga para a Protecção da Natureza – tinham anunciado que davam parecer negativo àquele documento e à construção do aeroporto do Montijo, considerando que o EIA “falha em todas as vertentes relacionadas com a avaliação de impactes, a mitigação e as medidas compensatórias”.

Na altura, as associações contestavam também o facto de o EIA não ter sido precedido de uma Avaliação Ambiental Estratégica, ou seja, uma avaliação que comparasse a proposta em cima da mesa com outras alternativas possíveis. Argumento que Domingos Leitão volta a utilizar, para deixar bem claro: “Nós não concordamos com o aeroporto naquele local, para a SPEA não está provado que este seja o único local onde o projecto é viável. O Estado está a falhar ao não comparar todas as alternativas possíveis e depois escolher. Escolheu primeiro e isso não é legal nem aceitável.”

Na quarta-feira também a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável se manifestara contra a DIA favorável condicionada apresentada pela APA, lembrando que tem acções judiciais em curso e que pondera avançar com uma providência cautelar para travar o processo. Já o presidente da Quercus, Paulo do Carmo, em declarações à Lusa, afirmou que a informação divulgada pela APA “não é a solução ideal”, mas que pode ser “positivo” se as medidas apresentadas forem efectivamente postas em prática. “Em termos globais não é a melhor solução, mas, atendendo a esta urgência de que o país precisa de aumentar a sua capacidade aeroportuária e se todas as medidas de minimização de impacto forem implementadas de forma rigorosa, penso que acabará por se aceitar esta decisão que é favorável condicionada e tem parecer ICNF”, disse.

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