A videovigilância no Código do Trabalho à luz do RGPD e da Lei Nacional de Execução

A videovigilância em contexto laboral continua a carecer de autorização prévia da CNPD, independentemente da captação de som, mantendo-se em vigor o regime anterior ao RGPD, com exceção do valor das coimas a aplicar.

1. O Código do Trabalho foi recentemente alterado pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, tendo introduzido modificações em 33 dos seus artigos.

Sem cuidar da boa técnica legislativa, não se procedeu à respetiva republicação, pelo que o trabalho do intérprete se apresenta dificultado. As alterações não abrangem a videovigilância (artigos 20.º e 21.º), pese embora tenham sido publicadas após a entrada em vigor da Lei de Execução do RGPD (Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto – também designada como Lei da Proteção de Dados Pessoais).

O tema que nos ocupa consiste em determinar o enquadramento legal da videovigilância aplicado às relações laborais.

2. O RGPD substituiu o modelo de supervisão exercido pelas Autoridades de controlo baseado no controlo prévio por um outro assente na autorregulação, não deixando de permitir aos Estados-membros a previsão de mecanismos de controlo prévio, em casos excecionais, como resulta do n.º 5 do artigo 36.º do RGPD.

A interpretação mais adequada da disposição em causa deve partir da versão inglesa que, com mais rigor, prevê a possibilidade de recurso a consulta prévia in relation to processing by a controller for the performance of a task carried out by the controller in the public interest, including processing in relation to social protection and public health.

Do texto resulta que os Estados-membros podem prever o recurso ao controlo prévio nos casos em que a finalidade do tratamento vise o interesse público, não exigindo que o responsável pelo tratamento seja uma entidade pública ou uma entidade privada que formalmente prossiga o interesse público. O critério reside, pois, na atividade de tratamento e não na natureza jurídica da entidade responsável pelo tratamento.

Assim, a Lei de execução do RGPD impôs a autorização prévia da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) nos casos em que a videovigilância inclua a captação de som quando as instalações vigiadas não se encontrem encerradas (n.º 4 do artigo 19.º da Lei de Execução do RGPD).

3. O regime da videovigilância previsto no Código do Trabalho não sofreu alterações pela Lei n.º 93/2019. O que significa que a Lei de Execução do Regulamento em nada influenciou o legislador laboral, tendo como consequência a manutenção de normas anteriores ao RGPD, que impunham a sujeição ao controlo prévio pela CNPD.

Desde logo os n.ºs 1 e 4 do artigo 21.º do Código do Trabalho, que preveem a obrigação de solicitar autorização prévia à CNPD para efeitos de utilização de meios de vigilância a distância, e respetivos requisitos formais, não foram revogados pelo RGPD.

E tal porque o n.º 5 do artigo 36.º do RGPD permite ao legislador nacional a previsão de mecanismos de controlo prévio quando esteja em causa uma finalidade de interesse público, como é tipicamente o caso da proteção de pessoas e bens. Por outro lado, o artigo 88.º permite a aprovação de normas especiais no domínio laboral, não exigindo que estas sejam posteriores ao RGPD.

Assim, para além da regra geral de controlo prévio aplicável à videovigilância respeitante à captação de som nos casos em que as instalações vigiadas não se encontrem encerradas (n.º 4 do artigo 19.º da Lei de Execução do RGPD, anteriormente mencionado), permanece em vigor a norma especial prevista no artigo n.º 1 do artigo 21.º do Código do Trabalho, que obriga à autorização prévia da CNPD para a realização de tratamentos de videovigilância no contexto laboral, independentemente da captação de som. Só assim não será nos casos em que a atividade vigiada não possa ser considerada como de interesse público.

O n.º 2 do artigo 21.º do Código do Trabalho não foi revogado pelo RGPD, nem pela legislação nacional subsequente, porquanto concretiza princípios fundamentais em matéria de proteção de dados pessoais previstos na alínea c), do n.º 1 do artigo 5.º do RGPD: “Os dados pessoais são (…) adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são tratados ('minimização dos dados').”

4. O n.º 3 do artigo 21.º do Código do Trabalho estabelece o prazo de conservação das imagens de videovigilância, indexado às finalidades do tratamento, consagrando a obrigação da respetiva destruição no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.

A disposição não foi revogada pelo RGPD, na medida em que este permite que os Estados-membros estabeleçam normas “mais específicas” no domínio do tratamento de dados pessoais em contexto laboral (artigo 88.º) – o que abrange a determinação de prazos especiais de conservação da informação pessoal.

A Lei de Execução do RGPD não contém qualquer norma revogatória, ou que de algum modo contradiga o n.º 3 do artigo 21.º do Código do Trabalho. Em todo o caso, a sua manutenção em vigor coloca sérios problemas de interpretação na sua relação com o próprio RGPD e com a Lei de Execução.

A violação do mencionado artigo do Código do Trabalho corresponde à violação dos prazos de conservação, o que constitui contraordenação à luz do n.º 5 do artigo 21.º do Código do Trabalho, da alínea c), do n.º 1, do artigo 5.º do RGPD e da alínea a), do n.º 1, do artigo 37.º da Lei de Execução.

O mesmo facto é, pois, sancionado por três normas – circunstância que não deixará de configurar uma violação ao princípio ne bis in idem. Importa, assim, determinar qual das referidas normas sancionatórias é aplicável, questão fundamental para efeitos da definição do montante da coima.

Os valores das coimas apresentam disparidades significativas:

  • O Código do Trabalho aponta para um valor máximo de € 9.690,00 (alínea e) do n.º 3 artigo 554.º);
  • No RGPD, o valor máximo da coima é de € 20.000.000,00 ou 4% do volume de negócios anual a nível mundial correspondente ao exercício financeiro anterior;
  • Na Lei de Execução, o valor varia consoante se trate de:
  1. Grandes empresas: entre os € 5000,00 e os € 20.000.000,00, ou até 4% do volume de negócios anual, a nível mundial, conforme o que for mais elevado;
  2. PME: entre € 2000,00 e € 2.000.000,00, ou até 4% do volume de negócios anual, a nível mundial, conforme o que for mais elevado;
  3. Pessoas singulares: entre € 1000,000 e € 500.000,00.

A determinação da norma aplicável deve tomar em conta a natureza de cada uma das fontes citadas e a estrutura das normas jurídicas, compostas pela previsão e pela estatuição.

A previsão da norma que define o prazo de conservação das imagens de videovigilância mantém-se em vigor, mas a sanção constante do Código do Trabalho foi revogada, encontrando-se hoje prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 83.º do RGPD. Quanto à sanção prevista na Lei de Execução, a CNPD já decidiu que desaplicaria a norma jurídica que a sustenta (alínea a) do n.º 1 do artigo 37.º da Lei de Execução) na Deliberação Interpretativa n.º 2019/494. No debate relativo à aplicação do RGPD e da Lei de Execução, a Constituição da República Portuguesa também deve ser tomada em consideração.

Em suma, a videovigilância em contexto laboral continua a carecer de autorização prévia da CNPD, independentemente da captação de som, mantendo-se em vigor o regime anterior ao RGPD, com exceção do valor das coimas a aplicar.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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