As Silent Adventures querem pôr Portugal a dançar

A dançar como um pinguim ou uma galinha, as Silent Adventures chegaram a Portugal. A promessa é a de que durante uma hora deixam-se os preconceitos de lado e dança-se como se não houvesse amanhã.

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Miguel Manso

Porque estão duas dezenas de pessoas a dançar silenciosamente com uns auscultadores nos ouvidos? Estão a participar nas Silent Adventures, um conceito nascido em Edimburgo, na Escócia, que alia um passeio pela cidade a uma aula de dança. Os participantes ouvem a música e seguem as instruções do guia. Quem assiste, apenas vê um grupo a dançar em silêncio, apesar do alvoroço da cidade.

Na Travessa da Praça, em Belém, em Lisboa, Ana Martins e Cláudia Monteiro distribuem ponchos pelo grupo. A chuva não deu tréguas durante a manhã, mas não parece ter desmotivado os participantes das Silent Adventures. Vieram para dançar e nem a chuva os vai parar. Além das capas, os participantes estão equipados com auscultadores e prontos a partir. Ao ouvido, escuta-se uma pequena gravação de demonstração de segurança, tal qual a de um avião. Aqui, ninguém vai levantar voo, mas vão todos sair da realidade por uma hora.

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No aquecimento, aprendem-se os movimentos base de dança, explicados pela instrutora Ana Martins. Pôr coisas em caixas, o terramoto, o lavar janelas, olhos à Pulp Fiction” são alguns dos passos de dança que se irão repetir ao longo da tarde. Mas a regra é, justamente, não existirem regras.

Alguns curiosos rondam os dançarinos com um sorriso estampado no rosto e a curiosidade no olhar. Às duas crianças do grupo, juntam-se outras tantas que, mesmo não ouvindo a música, mimetizam todos os movimentos. É contagiante a boa energia que o grupo arrasta pelo Jardim Vasco da Gama.

O “casamento arranjado”

Ana Martins e Cláudia Monteiro conheceram o conceito em Edimburgo e pensaram de imediato trazê-lo para Lisboa. “Pensei, isto é genial, incrível. Estão a espalhar sorrisos pela cidade, a ouvir música e a dançar”, recorda Ana Martins.

Quando chegou a Portugal, a locutora de rádio contactou a empresa-mãe, a Silent Adventures, e marcou uma reunião presencial, durante a qual lhe disseram que já havia outra pessoa interessada no mesmo projecto. “Foi um casamento arranjado, mas que até agora tem sido feliz”, brinca Cláudia Monteiro, que trabalhou durante vários anos na cidade escocesa. As duas sócias do projecto em Portugal não se conheciam antes e foi a dança que as juntou.

As empresárias trabalham em harmonia e divertem-se tanto quanto os participantes no passeio. No meio do jardim, o grupo pára e dá um pequeno espectáculo ao som de Uptown funk, de Bruno Mars.

A selecção musical de cada viagem é feita pelas sócias, a partir de um leque de mais ou menos 600 músicas disponíveis. Também é possível fazer esta actividade em eventos privados, como festas de empresas, aniversários ou despedidas de solteiro e, aí, a playlist é personalizável, explicam.

A animação no Jardim Vasco da Gama vai contagiando os turistas que por lá passeiam. Cláudia leva sempre um par extra de auscultadores e oferece-o por instantes aos curiosos para que dancem com o grupo por breves momentos. “A alegria contagia mesmo. As pessoas querem ser felizes, não querem mais nada na vida. Se lhes dão essa oportunidade, durante uma hora podem soltar-se e fazer a palhaçada toda que quiserem”, avalia Ana Martins.

Junto à fonte da Praça do Império, ao som de Walking on sunshine, de Katrina and the Waves, acontece o primeiro momento freestyle. Até então, os dançarinos seguiam os passos de Ana Martins, agora são convidados a dar corda aos sapatos e à imaginação. Uma turista junta-se e o grupo faz uma roda à sua volta. Parece uma cena de filme, em que os participantes aplaudem a “bailarina” estrangeira.

Durante 60 minutos, estas 20 pessoas entram noutra dimensão e esquecem os preconceitos sociais, “as normas e o certinho direitinho”, como classifica Ana Martins. “Acho que as pessoas se desinibem mais pelo facto de terem os auscultadores. Alheiam-se um bocado da realidade, esquecem-se de quem são e que estão a olhar para elas”, acrescenta a locutora da Rádio Comercial. A sócia Cláudia Monteiro concorda: “Dá-te uma capa invisível.”

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Portugueses: um povo tímido?

Quem vê o grupo, não diria que os portugueses são tímidos. Era esse um dos receios de Ana Martins e Cláudia Monteiro ao trazer o projecto para Portugal. Afinal, foram surpreendidas com a adesão dos locais. “Os britânicos não têm nenhum complexo em fazer ‘figura de urso’ em público, mascaram-se a toda a hora, não é preciso ser Carnaval. Eu tinha a sensação que os portugueses iam ser um bocadinho mais inibidos”, confessa Cláudia Monteiro. As Silent Adventures também organizam passeios em inglês com o guia Laurence Alliston-Greiner, um britânico a viver em Lisboa.

Se havia alguma timidez no grupo, esta erodiu-se por completo após o espectáculo dado no túnel que liga o jardim ao Padrão dos Descobrimentos. Cria-se um túnel, pelo qual cada participante passa a correr enquanto dança. Chegados à superfície, é a rosa-dos-ventos o palco do espectáculo ao som de um medley dos Queen. Com Spread your wings and fly away, os dançarinos abrem os braços e fingem que levantam voo. As famílias, a visitar o monumento, não conseguem ficar indiferentes e as crianças juntam-se ao grupo.

Se lhe pedissem para dançar no meio da rua a fingir que é um animal, era capaz? Num ambiente normal, talvez não, mas com o manto de invisibilidade da Silent Adventures, sim. Ana e Cláudia pedem aos participantes para formarem dois corredores, pelo meio passam pinguins, galinhas, coelhos, sapos e leões.

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Momentos como este justificam a comparação que Cláudia Monteiro faz entre as Silent Adventures e o esqui. “Trabalhei dois anos nos Alpes Franceses numa estância de esqui e uma das coisas que me recordo de ter a sensação é que [esquiar] é das poucas ocasiões em que é socialmente aceite para os adultos comportarem-se como crianças de forma completamente inocente. Aquilo que senti imediatamente é que isto é como fazer esqui, mas muito mais barato e sem ter de viajar”, explica a consultora internacional.

Mamma Mia que chegou ao fim

Junto ao Mosteiro dos Jerónimos, a tour termina ao som dos Abba, num verdadeiro momento de apoteose. Até as crianças parecem conhecer as músicas. “Acho que tudo o que seja novo e diferente, é bom experimentarem”, diz a mãe dos pequenos dançarinos do grupo.

A música icónica Mamma mia! é interrompida pela chuva repentina. Começam as despedidas cheias de sorrisos e promessas de voltar. “É uma experiência a repetir e a recomendar, sem dúvida”, diz uma das participantes a Ana Martins e Cláudia Monteiro, para depois lhes pedir uma fotografia.

“O feedback tem sido incrível. As pessoas até querem tirar selfies connosco”, brinca a locutora da Comercial. Confirma-se. Os participantes alinham-se à espera da sua vez. Alguns prometem voltar já na semana seguinte para a tour na Feira da Ladra. A 26 de Outubro e 2 de Novembro, as Silent Adventures percorrem a feira. Nas semanas seguintes, a dança regressa a Belém.

Antes de ir embora, uma das participantes brinda os presentes com uma expressão que resume o que se viveu durante aquela hora: “É muito divertido e substitui muitos ansiolíticos.”

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“Nós queremos pôr Portugal inteiro a dançar”, confessam Cláudia Monteiro e Ana Martins. Pelo sorriso estampado no rosto dos participantes, parecem estar a dançar na direcção certa.

Texto editado por Sandra Silva Costa

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