Racismos latentes

Desta feita, a culpa caiu nos ombros búlgaros entre cabeças rapadas a fazer a saudação nazi até às infantis mímicas simiescas dirigidas aos jogadores ingleses apenas porque a pele é de outra cor.

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Reuters/CARL RECINE

Confesso, ao ler os cabeçalhos iniciais, e fruto do “Brexit” e de tudo quanto tem passado e acontecido neste país, pensei: “Lá estão os ingleses a fazer das suas”. Como fizeram tantas vezes. Afinal, a triste fama granjeada por décadas de hooliganismo precede os adeptos ingleses, temidos e pouco desejados onde quer que jogos de futebol ocorram. 

Afinal, estava errado. Desta feita a culpa caía nos ombros búlgaros entre cabeças rapadas a fazer a saudação nazi até às infantis mímicas simiescas dirigidas aos jogadores ingleses apenas porque a pele é de outra cor.

A pele. E não o sangue igualmente vermelho, a carne e os músculos também iguais, fraternos, o cérebro e a alma tão alvos como o cérebro e a alma de qualquer búlgaro. A consciência primária, não, primitiva, predadora de quem neste jogo se sentou nas bancadas a desejar o medo, a perseguição, quem sabe a morte de quem é seu igual.

O coração bate da mesma maneira, quero lá saber da pele!

O problema, no entanto, não reside apenas no futebol búlgaro. Não, é transversal a uma sociedade pouco resolvida tendo em conta o seu passado nem por isso neutral, antes pelo contrário, em linha com os poderes da Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial, assim ressuscitando fantasmas de um tempo que se pensava já morto.

Mas não sejamos ingénuos. Os movimentos de extrema-direita, autorizados por políticos populistas, têm vindo a acordar um pouco por todo o mundo e nem Portugal é excepção.

E quando já há muito que os búlgaros se queixam dos ciganos e das vagas sucessivas de refugiados do Norte de África, ver tão tristes representações nos estádios de futebol e em directo para o mundo não é senão a constatação do óbvio. E o óbvio não é monopólio dos búlgaros, mas da humanidade. Temos, portanto, mais um problema em mãos dentro de uma União Europeia cada vez mais dividida e fragmentada.

E se de segunda-feira para cá políticos já choraram, dirigentes desportivos foram demitidos e adeptos presos, tal não apaga, nem pode, nem deve, apagar os acontecimentos de há dois dias. 

Entretanto o Reino Unido recusou suspender a venda de armas à Turquia, ao contrário da França e Alemanha. Enquanto assim for, os movimentos de refugiados não cessarão. Eu também fugiria da guerra. E tu? 

Enquanto assim for, enquanto alimentarmos guerras e ódios, as saudações nazis e os comportamentos simiescos não serão uma constante, mas antes o princípio para mais um fim do mundo. Deus nos salve, porque por mais que olhe em redor não encontro mais ninguém. Nem Deus.

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