Solidariedade Imigrante denunciou esquemas: “Fecham-se as portas e as máfias crescem”

Dirigente da Solidariedade Imigrante diz que “era previsível” a existência de um esquema de corrupção na regularização de estrangeiros por causa das restrições. Chegaram-lhe queixas de imigrantes que estavam a descontar há um ano para a Segurança Social sem sequer viverem em Portugal. Outra associação soube de imigrantes a quem o número de contribuinte terá sido apropriado de forma fraudulenta.

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Os imigrantes têm vindo para a rua protestar, a última vez foi a 30 de Setembro em frente ao Ministério da Administração Interna Nuno Ferreira Santos

Há anos que a associação Solidariedade Imigrante (Solim), com 30 mil associados, vem alertando para as máfias, comenta Timóteo Macedo, dirigente. Fê-lo nas redes sociais, em protestos de rua, em reuniões do Conselho para as Migrações, continua. Por isso diz: “era previsível” a existência de um esquema de corrupção na legalização de imigrantes que envolve dois funcionários das Finanças, dois da Segurança Social, uma inspectora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e três advogados, desmantelado esta terça-feira.

“Com esta operação denuncia-se o que estava mal neste país. Quando se restringiu a entrada legal, e o acesso dos imigrantes aos serviços públicos, começaram a aparecer pessoas que diziam ter comprado o número de Segurança Social ou das finanças. Insistimos com as pessoas para denunciarem. As restrições levam a que estas redes apareçam”, afirma. Já em Agosto a Solim tinha denunciado um esquema de venda de vagas no portal do SEF.

Timóteo Macedo relata denúncias de imigrantes abordados por “gente sem escrúpulos” que chegavam a cobrar agendamentos no SEF a 650 euros. “Fecham-se as portas e as máfias crescem”, diz.

Outra denúncia que chegou à Solim foi a de imigrantes que ainda não estavam a viver em Portugal e descontavam para a Segurança Social a partir dos seus países até perfazerem um ano, o tempo mínimo exigido por lei para quem já está a trabalhar em Portugal e se quer regularizar ao abrigo do artigo 88º ou 89º da lei de estrangeiros.

“Acredito que existam pessoas que se aproveitam, pela sua vulnerabilidade e por causa das restrições à lei”, continua. O dirigente defende que o SEF deveria atribuir um visto de três meses a quem queira procurar trabalho e não ter como requisito que os trabalhadores descontem durante um ano. “É preciso outro tipo de políticas que não dificultem a vida das pessoas para que as máfias não cresçam”, alerta.  

Já Flora Silva, da associação Olho Vivo, ficou surpreendida com a envergadura da operação na qual 20 pessoas foram detidas.

Tem conhecimento de alguns casos de supostos intermediários que diziam estar a tratar dos processos dos imigrantes e depois não davam andamento. Relata situações que alguns imigrantes lhe denunciaram: serem impedidos de fazer o pedido de autorização de residência por lhes ser dito que o seu número de contribuinte já tinha sido usado para o mesmo efeito, sem que nunca o tivessem feito – ou seja, isto indica que alguém se apropriara daquele número fiscal, essencial para o processo. Também sublinha que estes esquemas aparecem sempre “que há mais dificuldades” no processo de regularização. “Espero que isto não prejudique os imigrantes que nada têm a ver com estes esquemas, querem é ver os seus documentos tratados.”

Imigração bate recordes

A imigração tem aumentado nos últimos anos, e no ano passado atingiu os números mais altos de sempre com mais de 480 mil estrangeiros a viver em Portugal. Este ano a tendência manteve-se: entre Janeiro e 15 de Setembro foram atribuídos 82.928 novos títulos de residência (mais 42% do que no mesmo período de 2018) e 59.102 renovações (mais 8%), segundo o SEF.

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Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra especialista em imigração, refere que “é expectável que existam redes” numa altura em que em Portugal “a porta está semi-aberta”, porque “é um dos poucos lugares da Europa onde é possível as pessoas regularizarem-se mediante determinadas condições”.

“O facto de ter existido uma detenção significativa quer dizer que o sistema funcionou. Resta saber qual o impacto que esta rede teve, há quanto tempo actuava e a partir de onde”, sublinha.

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