Um Nobel para outros mundos

Em 1995 tudo mudou quando Michel Mayor e Didier Queloz deram mais um passo de gigante na “descentralização” da humanidade.

A descoberta de outros mundos, outros planetas a orbitar outros sóis, apaixonou filósofos e cientistas ao longo de toda a história da humanidade. Esta vontade inspirou livros e filmes, tornando-se parte do imaginário de todos nós.

O Prémio Nobel da Física deste ano premiou quem ousou mostrar-nos que, de facto, esses mundos existem. Até meados dos anos 90 do século XX, a pergunta pairava de forma incómoda entre os investigadores. Alguns estudos apontavam mesmo para a raridade dos sistemas planetários. Mas será que estávamos mesmo sozinhos neste Universo tão vasto?

Em 1995 tudo mudou quando Michel Mayor e Didier Queloz deram mais um passo de gigante na “descentralização” da humanidade. Não só a Terra (com todos os problemas que dominam os telejornais) orbitava uma estrela pequena e normal (o Sol), como se descobria que pelo menos uma outra estrela parecida com o Sol tinha um planeta à sua volta. Inspirado no nome da sua estrela, o planeta recebia o “pomposo” nome de 51 Pegasi b. Mas a falta de imaginação que os cientistas têm para dar nomes aos planetas contrasta com a importância científica e sociológica da descoberta.

Não demorou para que outros planetas se juntassem à lista, abrindo caminho para uma nova área da astrofísica. Muitas vezes a ciência funciona assim: é difícil encontrar o primeiro, mas quando sabemos como o fazer, é só puxar a linha. Em 24 anos foram descobertos mais de 4000 planetas a orbitar outras estrelas, os chamados exoplanetas ou planetas extra-solares. Hoje, quando olhamos o céu à noite, podemos dizer com toda a certeza que a maior parte das estrelas que vemos tem pelo menos um planeta à sua volta.

Mas a descoberta de Mayor e Queloz não se limitou a anunciar o primeiro exoplaneta. O 51 Pegasi b é aquilo que em 1995 os astrónomos chamavam de “impossível”. Trata-se de um planeta gigante, como Júpiter (que tem cerca de 300 vezes mais massa do que a Terra). Mas, ao contrário de Júpiter, o 51 Pegasi b está muito perto da sua estrela. Tão perto que as teorias da altura diziam que não podia existir.

Mas Mayor e Queloz não se deixaram iludir pelos preconceitos existentes. Estavam convencidos que o que estavam a detetar nos dados era realmente um planeta. E o tempo deu-lhes razão. Hoje sabemos que os sistemas planetários podem ser muito diferentes do nosso sistema solar. As teorias foram ajustadas, permitindo-nos até compreender melhor o processo de formação da nossa própria Terra. Tudo isso às custas da descoberta de outros mundos no Universo.

E agora? O que se segue? Os cientistas estão hoje focados essencialmente em três grandes linhas: a procura de planetas parecidos com a nossa Terra, a caracterização detalhada dos exoplanetas encontrados (incluindo as suas atmosferas), e a compreensão mais clara dos processos físicos que dão origem aos sistemas planetários. As grandes agências internacionais (Agência Espacial Europeia – ESA, Observatório Europeu do Sul – ESO, NASA) estão a apostar fortemente neste esforço, estimulando a comunidade científica a construir novos instrumentos para os maiores telescópios na Terra e a lançar missões espaciais capazes de alcançar estes objetivos (um trabalho feito em parceria estreita com a indústria).

Nesse sentido, é importante realçar que Portugal tem hoje um papel internacionalmente reconhecido neste esforço. Espera-se que a visão e a liderança que nos permitiu no século XVI dar novos mundos ao mundo nos ajude agora a dar novos mundos ao Universo. E quem sabe, um dia, descobrir que a orbitar uma outra estrela pequena e normal existe um pequeno ponto azul onde alguém se esteja a perguntar: será que existe algum planeta em torno do Sol?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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