Portugal, entre o amor da private equity e a paixão do venture capital

Portugal está na moda a vários níveis e o brilho das startups lusas já dá sinal nos radares de muitos investidores e fundos internacionais.

Portugal e a história de amor com private equity”. Era com este optimismo que, com base nos resultados de investimento relativos a 2017, a imprensa internacional descrevia o cenário de investimentos em empresas de média e grande dimensão em Portugal. Novos fundos levantados, novas estratégias de investimento e exits com escala internacional. O artigo em questão, euforicamente partilhado pelos poucos operadores da indústria nacional, destacava os sete mil milhões de euros investidos naquele ano – um valor recorde que certificava a confiança dos investidores dentro e fora de fronteiras, e que escondia alguns outliers estratégicos vendidos em situações especiais.

Na cauda oposta do mercado, pouco haveria a dizer sobre os volumes registados em venture capital. Apesar do entusiasmo colectivo inflamado pela escolha de Lisboa como cidade-anfitriã do Web Summit, revelavam-se tímidos os efeitos da recuperação económica no financiamento a startups. Nem o provado valor dos nossos quadros nem as cautelosas avaliações das nossas rondas pareciam servir de incentivo capaz de compensar o risco destes projetos em fase inicial: Portugal era um país de sonhadores, mas com pouco capital para financiar os melhores sonhos.

Um ano de ouro para as startups

O que viria a seguir-se seria difícil de prever. Pouco mais de 18 meses bastaram para fazer do venture capital protagonista neste romance financeiro. Hoje, são as novas séries de A a Z, e as rondas de investimento em startups – para não falar de unicórnios e IPOs – que fazem as manchetes nacionais. Portugal está na moda a vários níveis e o brilho das startups lusas já dá sinal nos radares de muitos investidores e fundos internacionais. E se o ano 2018 foi de ouro para o early stage nacional – mais de 60 transações de venture capital e quase 100 de business angels –, 2019 já arrisca a platina.

Na sombra dessa paixão, o amor à private equity é agora bem mais discreto do que em tempos. Os resultados de 2018 foram pouco expressivos, com uma queda de 50% em valor e 30% em número de operações, e 2019 também não tem mostrado sinais de melhoria.

Por detrás deste volte-face estão diversas causas, mas três em especial que me importa destacar. Em primeiro lugar, a melhoria da confiança nacional e o mediatismo do ecossistema empreendedor inspiraram estudantes e investigadores a olhar com optimismo para esta alternativa de futuro. Em segundo, a cooperação entre os principais grupos empresariais e aceleradoras, incubadoras e institutos de investigação tornou claro para as corporates que há grande potencial no venture capital. Iniciativas recentes de empresas como a Sonae, a EDP e a Semapa reflectem bem essa tendência de cooperação. Finalmente, e talvez mais importante, a popularidade do venture capital conquistou a afeição do principal investidor (LP) nacional, o Estado.

Através da sua mais recente agência de desenvolvimento e fomento da economia, a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), Portugal tem hoje diversos instrumentos ao dispor de alguns dos melhores gestores nacionais, dando-lhes força e capacidade de investimento para atacar as graves falhas de mercado no financiamento de projetos e empresas em fase inicial. Ao assumir o papel de LP, o Estado não investe directamente em empresas; delega, sim, esse exercício em equipas de gestão experientes e capazes de trazer consigo outros investidores privados. Com incentivos bem desejados, estes fundos assumem a importante missão de seleccionar e investir em empresas de grande potencial que, pela sua ambição, precisam de um parceiro que lhes dê mais do que capital.

Sem contestar esta política, importa olhar para a private equity como extensão do venture capital. Nos nossos dias é mais sexy apoiar empreendedores do que empresários, ou falar de startups, tecnologia e inovação, em vez de PMEs, produtividade ou exportações. Mas quem quiser construir um ecossistema sustentável deve compreender o peso de cada parte na economia nacional e procurar estimular os dois estágios do mercado.

Fogo que (ainda) arde sem se ver

As empresas portuguesas, principalmente as mais maduras, precisam de parceiros nacionais com capital e know-how para as modernizar e as ajudar a crescer além-fronteiras. E é tão válido para uma empresa industrial encontrar apoio no crescimento, quanto para um investigador ter os meios de transferência do seu conhecimento para o mercado e até quem sabe um dia vir a criar um unicórnio.

De forma discreta mas resoluta, o último Conselho de Ministros deu um passo importante para relançar esta agenda: a aprovação do compromisso nacional num grande programa de investimento orientado para o crescimento de empresas maduras e com potencial de internacionalização. A confirmar-se este sinal, estou certo de que trará consigo a confiança de muitos investidores privados nacionais – e, já agora, dos parceiros europeus que se ocupam desta área. Se estabelecer este equilíbrio, Portugal ficará mais perto de garantir a sustentabilidade e complementaridade no financiamento das nossas melhores empresas, sejam elas startups, PMEs ou MidCaps.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico 

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