Nova bazuca do BCE com pouco efeito em Portugal

Quase nulo para o Estado, positivo para a banca e ainda por perceber para as famílias. Este é o impacto que se pode esperar das medidas que o BCE está a implementar no final deste ano.

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KAI PFAFFENBACH/REUTERS

Embora continue a ser um dos países que mais tem a ganhar com as políticas expansionistas do Banco Central Europeu (BCE), Portugal deverá, no que diz respeito à quantidade de dívida pública que irá ser comprada pela autoridade monetária e ao custo de financiamento do Estado, passar quase ao lado do derradeiro pacote de medidas lançado por Mario Draghi para estimular a economia da zona euro. O BCE vai, a partir de Novembro, aumentar de zero para 20 mil milhões de euros o volume mensal de compras líquidas que faz no total da zona euro, mas as compras que faz em Portugal, que nunca tinham sido interrompidas, não irão agora ser reforçadas.

O programa de compra de activos do BCE tem sido, desde 2015 quando foi lançado, um dos contributos mais importantes para a descida das taxas de juro dos países da zona euro registadas nos últimos anos. Ao comprar títulos de dívida emitidos pelos Estados, o BCE fez aumentas a procura no mercado obrigacionista o que teve como resultado uma queda das taxas de juro.

Portugal foi, neste cenário, um dos mais beneficiados. No entanto, o volume de compras de dívida portuguesa realizado pelo BCE começou, pouco tempo depois de o programa ter sido iniciado, progressivamente a ficar limitado pela regra que impede o banco central de deter mais do que um terço da dívida elegível de um país (e mais de um terço de cada série de dívida). E actualmente, isso faz com que, independentemente do nível de compras que o BCE faça no total da zona euro, as compras para Portugal fiquem limitadas a montantes que evitem uma violação dessa regra.

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Como explica ao PÚBLICO a presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, Cristina Casalinho, “as compras de Obrigações do Tesouro pelo BCE, seja numa fase de compras líquidas, que vai ser retomada, seja numa fase de reinvestimento, como acontecia desde Janeiro, serão sempre determinadas pelo facto do limite de um terço de detenção por emitente soberano e linha de referência ser uma restrição activa”.

Em teoria, para evitar que haja países mais beneficiados do que outros, o BCE deve fazer as suas compras de dívida pública utilizando como chave o peso no capital do banco de cada um dos países. No caso de Portugal, as compras deveriam corresponder a um valor próximo de 2,5% do total dos países da zona euro.

No entanto, apenas durante o primeiro ano de compras, em 2015, essa percentagem se concretizou. Quando começou a ficar próximo de deter um terço da dívida elegível portuguesa, o BCE teve de limitar as compras ao país. A partir de Março de 2016, quando reforçou para 80 mil milhões de euros o volume mensal de aquisições feitas no total da zona euro, a percentagem de compras feitas a Portugal começou a diminuir progressivamente, baixando mesmo a barreira dos 2% em Abril de 2017.

Este indicador apenas voltou a recuperar no início deste ano. Nessa altura, o BCE deixou de fazer compras líquidas de dívida no total da zona euro e aproveitou esse facto para reaproximar o nível de dívida que detém de cada país da sua chave de capital. No caso de Portugal, isso significou que continuou a fazer compras líquidas de dívida, num montante médio mensal de 282 milhões de euros, entre Janeiro e Agosto deste ano, o que levou a que percentagem detida subisse de 1,85% para um valor ligeiramente acima de 2%.

Agora, uma vez que o BCE vai voltara a fazer compras a todos os países e não pode reforçar muito as compras a Portugal, esta tendência deverá ser interrompida. “Na medida em que se regressa a uma fase de compras líquidas, o BCE comprará OT no limite dos 33%, significando que o esforço dos últimos meses de correcção do diferencial de detenção face ao indicado pela chave de capital é interrompido”, afirma Cristina Casalinho, assinalando que “esta realidade não é específica de Portugal” e que “a escassez de títulos para o BCE adquirir observa-se em vários mercados”.

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Apesar de o benefício que o relançamento das compras líquidas do BCE não ser, para Portugal, tão grande como se poderia supor, não é isto que impede que o país continue a beneficiar de um cenário de taxas de juro historicamente baixas. A combinação de factores como as compras do BCE, o nível de taxas de juro globalmente baixo e a melhoria da imagem das finanças públicas portuguesas nos mercados internacionais colocou as taxas de juro da dívida pública nacional a níveis nunca visto. Portugal já emite dívida a taxas negativas nos prazos mais curtos (até cinco anos) e nas emissões a dez anos, a barreira de 1% também já foi quebrada.

Para além disso, no seu pacote de medidas, o BCE incluiu outras formas de estimular a economia, especialmente por via de uma melhoria de condições de negocio para o sector financeiro. E neste caso, os bancos portugueses estão entre os mais beneficiados.

Em primeiro lugar porque beneficiam da decisão do BCE de isentar uma parte das reservas que os bancos comerciais têm no banco central da aplicação de uma taxa negativa. A taxa de juro até passou a ser mais negativa, passando de -0,4% para -0,5%, mas a uma parte das reservas a taxa aplicada passou a ser zero.

De acordo com os cálculos do economista francês Eric Dor, do IESEG School of Management, a poupança garantida pelos bancos portugueses por esta via pode ascender aos 37,9 milhões de euros, mitigando de forma muito significativa o efeito das taxas de juro negativas nas contas das instituições financeiras nacionais. 

Eric Dior explica que os bancos portugueses são particularmente beneficiados porque “os bancos em Portugal têm níveis de liquidez depositados no banco central relativamente baixos, para além das reserva mínimas obrigatórias”. Isto é, afirma, uma característica dos bancos do Sul da Europa, que, por outro lado, “dependem grandemente dos empréstimos de longo prazo a taxa fixa do BCE”.

Também nestes empréstimos de longo prazo, o banco central decidiu melhorar as condições oferecidas, baixando as taxas e aumentando o prazo, algo que também beneficia a banca portuguesa.

Fica apenas a dúvida se, com estas novas vantagens, se irá realmente assistir, por parte dos bancos, a um aumento do crédito concedido às empresas e famílias portuguesas, para que estas possam reforçar o investimento e consumo que fazem.

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