Líderes mundiais fizeram promessas, mas não limparam as lágrimas de Greta

Guterres tinha pedido propostas concretas e dezenas de países comprometeram-se a acelerar redução das emissões de gases de efeito de estufa. Mas é duvidoso que seja suficiente para cumprir metas de Paris.

Guterres tinha pedido metas de descarbonização para 2030 mais ambiciosas
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Guterres tinha pedido metas de descarbonização para 2030 mais ambiciosas Reuters/YANA PASKOVA
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A chanceler alemã, Angela Merkel LUSA/JUSTIN LANE
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Plantação de árvores, promessas de financiamento, criação de novos fundos e empenho em reduzir emissões de CO2 foram as principais medidas apresentadas pelos líderes mundiais, empresários e activistas pelo clima, reunidos em Nova Iorque na Cimeira de Acção do Clima. O reconhecimento de que há uma urgência em tomar passos para travar os efeitos do aquecimento global foi unânime num encontro que não contou com a presença dos chefes de Estado e de Governo na linha da frente das objecções a esta realidade.

O repto lançado pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para a Cimeira de Acção do Clima era ambicioso e pretendia ser uma pedrada no charco neste tipo de encontros entre líderes mundiais – só estava convidado apenas quem apresentasse medidas e propostas concretas para que as metas do Acordo de Paris possam ser cumpridas. “Isto não é uma cimeira negocial, porque não negociamos com o clima, isto é uma cimeira de acção”, avisou Guterres na sua intervenção. Para evidenciar que o momento é de arregaçar as mangas, a cada um dos líderes foi concedido apenas três minutos para apresentar as suas ideias.

De fora da cimeira, que antecedeu a 74.ª Assembleia-Geral da ONU que começa esta terça-feira, ficaram países como os EUA, Japão, ou Brasil. Apesar de não ter sido convidado a intervir, o Presidente norte-americano, Donald Trump, esteve a assistir brevemente, algo que não passou despercebido ao antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, que lhe agradeceu ter vindo e sugeriu que tomasse nota do que ali era dito para “quando elaborar uma política climática”.

Ainda antes das intervenções dos líderes mundiais, a activista Greta Thunberg fez um discurso emotivo, dedicando palavras acusatórias contra os decisores políticos. “Eu não devia estar aqui, eu devia estar na escola, no outro lado do oceano, mas vocês vêm ter connosco, os jovens, para pedir esperança. Como se atrevem?”, declarou a adolescente sueca de 16 anos. A activista – que se notabilizou por ter promovido uma mobilização global em torno das alterações climáticas – disse ainda que os compromissos assumidos no Acordo de Paris não serão suficientes para conter o impacto das alterações climáticas.

Metas insuficientes

A aceleração das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa foi a promessa mais tangível entre as que circularam em Nova Iorque. Cerca de 70 países comprometeram-se a actualizar os seus planos de descarbonização para perto dos 50% em 2030, a data em que é realizada uma primeira revisão. No entanto, países com emissões elevadas como a China ou a Índia, que participaram na cimeira desta segunda-feira, não anunciaram medidas neste sentido, o que leva muitos analistas a duvidarem da possibilidade de que a subida média das temperaturas possa ser travada.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos líderes a actualizar as metas de redução de emissão de dióxido de carbono para a atmosfera para 55% em 2030. “As coisas não têm andado com a velocidade devida”, admitiu o chefe de Estado francês, que também saudou a ratificação do Acordo de Paris pela Rússia, anunciada esta segunda-feira. Macron prometeu ainda um reforço do investimento no Fundo Verde do Clima.

As declarações do Presidente francês foram acompanhadas de um recado dirigido para o seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, com quem Macron entrou em colisão por causa da desflorestação na Amazónia, embora não o tenha nomeado. Macron pediu “coerência” quando se fecham acordos comerciais, numa clara referência ao Acordo de Comércio Livre assinado entre a União Europeia e o Mercosul, que Paris encara com muito maus olhos.

Tal como Macron, a chanceler alemã, Angela Merkel, que está na recta final do seu percurso como chefe de Governo, também se comprometeu a reduzir as emissões de carbono em 55% até 2030. “Os países industrializados têm a responsabilidade de mobilizar recursos e conhecimento tecnológico para lutar contra as alterações climáticas”, afirmou.

As promessas deste grupo de países ficam, no entanto, aquém do desafio lançado por Guterres, que queria uma redução das emissões de 45% até ao fim da próxima década. Neste contexto, podem ficar em causa as metas do Acordo de Paris cujo objectivo é impedir uma subida da temperatura média do planeta acima dos 2ºC, face aos níveis pré-industrialização.

Um novo estudo da Organização Meteorológica Mundial da ONU, publicado na véspera da cimeira, mostrava que os últimos quatro anos constituem o período mais quente desde que há registos. Os seus autores sugerem que o nível de ambição para travar a subida da temperatura no futuro deverá ser triplicado face ao que foi acordado em Paris, em 2015.

“Os políticos parecem acreditar que as alterações climáticas podem ser contidas com uma abordagem económica tradicional”, escreve o analista ambiental da BBC, Roger Harrabin. “Os seus cientistas estão a dizer-lhes com cada vez maior desespero que nós, como seres humanos, enfrentamos uma ameaça sem precedentes que obriga a uma resposta sem precedentes”, acrescentou.

Reflorestação e energias limpas

Outras propostas apresentadas incluíram o reforço dos investimentos em energias renováveis, acções de reflorestação, ou o abandono da exploração de combustíveis fósseis. A Presidente eslovaca, Zuzana Caputova, anunciou, por exemplo, o encerramento das minas de carvão do país, que são ainda um importante empregador. A directora-executiva da Clean Air, Jane Burston, revelou a criação de um fundo filantrópico para promover o ar limpo em todo o mundo com um valor inicial de 50 milhões de dólares (45 milhões de euros).

Uma das ideias que mais circulou, especialmente entre os líderes dos países menos desenvolvidos, foi o desfasamento entre as suas emissões no âmbito global e o impacto previsto que as alterações climáticas terão em cada um deles. Por outro lado, houve quem, como Merkel, reconhecesse essa divergência. “Se todos se comportassem como a Alemanha teríamos o dobro das emissões no mundo”, afirmou Merkel, depois de recordar que a população alemã corresponde a 1% da mundial, mas o país é responsável por 2% das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.

Essa diferença esteve patente na intervenção da Presidente das Ilhas Marshall, Hilda Heine, um dos países mais ameaçados pela subida do nível médio da água do mar, e que anunciou ter apresentado uma proposta de emergência climática ao Parlamento nacional. O arquipélago de 75 mil habitantes (pouco menos que o Barreiro) anunciou também já ter cumprido as metas de descarbonização previstas para 2025. “O mundo deve seguir o nosso exemplo”, afirmou Heine.

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