Gerir o declínio? É essa a nova política de desenvolvimento regional?

Portugal recebeu e gastou mais de 100 mil milhões de euros em fundos comunitários, atribuídos ao país para coesão e desenvolvimento regional. É inaceitável, depois de todos os discursos e promessas, que se venha agora dizer que afinal era impossível cumprir o objetivo a que nos comprometemos.

Li esta semana no PÚBLICO um artigo de opinião, assinado pela presidente da CCDRC, intitulado “Há territórios onde nunca será possível recuperar população”, no qual está escrito: “...há que assumir que não é possível ter a tónica no crescimento em todos os territórios, e assumir também que em porções importantes do nosso país coesão territorial significa gerir o declínio e, portanto, significa assumir que há partes do nosso território onde não vai ser possível recuperar população e atividade económica.”

É um artigo contraditório, onde se misturam argumentos com contra-argumentos, onde se afirmam ideias (vagas é certo) sobre políticas públicas e capacidade de decisão, para depois logo as desdizer, permitindo até extrapolações perigosas, como as seguintes:

1) Imaginem que a UE aplicava ao território Europeu, composto por regiões com diferentes realidades, o princípio de que há regiões onde não é possível “recuperar população e atividade económica”. Podem concluir que Portugal, tendo em conta os seus recursos endógenos, nunca será competitivo e, em consequência, se devem aplicar políticas públicas para “gerir o seu declínio”. Certo? Como pode a UE levar a sério um país (com pouco mais de 200 km de largura e cerca de 700 km de comprimento) que agravou as suas desigualdades regionais e ainda afirma que tem “porções importantes” do seu território que não vai conseguir desenvolver? Tudo isso depois de cinco programas-quadro de coesão e desenvolvimento regional, negociados e contratualizados por Portugal com a UE (desde 1989) para, justamente, resolver esses problemas de desigualdade regional?

2) Aparentemente, temos território a mais, de que não precisamos e somos incapazes de aproveitar. O melhor, se calhar, será então oferecer esse território a quem o possa desenvolver e tenha capacidade para desenhar estratégias de desenvolvimento sustentado que recuperem densidade económica e populacional. É essa a ideia?

Para além de tudo isso, a proposta de “gerir o declínio”, ou seja, gerir o despovoamento, contraria discurso oficial sobre o interior. De facto, ainda recentemente o PM António Costa dizia na Guarda que o interior não pode ficar de fora nas questões das redes de alta velocidade, garantindo que o esforço de desenvolvimento da nova rede 5G tem de acontecer “… não só nos grandes centros urbanos, mas também nos centros urbanos de média dimensão que estruturam toda a corda do interior do país”. Acrescentou ainda que “… é no interior que temos que fazer o maior esforço de infra-estruturas, para ser um território ainda mais atrativo para a fixação das populações”. Para quê, senhor primeiro-ministro, se há regiões que são impossíveis de desenvolver?

O que devia ser claro é que o desenvolvimento do interior não tem receitas únicas ou tipificadas, nem se podem resumir a atirar dinheiro para os problemas – tendo somente por base indicadores de sucesso como taxas de execução e outras medidas da quantidade de dinheiro efetivamente gasto – sem nenhuma preocupação com os resultados obtidos e respetiva sustentabilidade. O desenvolvimento sustentável do interior exige um estudo aprofundado do território, das razões que conduziram à sua desertificação económica e demográfica, das suas potencialidades e recursos endógenos, das dinâmicas que existem nas regiões vizinhas e que podem ser utilizadas (ganhando escala) no desenvolvimento de estratégias diferenciadas que possam estar na base de um novo percurso de convergência: as realidades de partida são muito diversas. Os fundos comunitários servem para isso e as decisões de investimento têm de ter por base o conhecimento muito claro da realidade para serem eficazes. Sem isso, sem esse esforço de identificação de planos e calendários diferenciados, para o qual as CCDR estão particularmente vocacionadas, as decisões serão sempre ineficazes, porque mal suportadas, conduzindo a investimentos desajustados (centrados em objetivos de curto prazo, muitas vezes eleitorais), que nunca avaliados (correlacionando e confrontando o dinheiro gasto, as políticas desenvolvidas e as transformações obtidas) e que, no essencial, não produzem resultados e geram despesa. É isso que tem de ser afirmado e é esse trabalho que deve ser feito, pois foi isso que a mudança de regime prometeu aos portugueses: para além da democracia e descolonização, afirmou como prioritário o desenvolvimento de todo o território nacional.

A iniciativa InvestCentro, que não teve continuidade, tinha como objetivo, para além de atrair investimento estrangeiro (mostrando as potencialidades de uma região muito diversa), ser um fator de coesão territorial (promovendo a efetiva cooperação sub-regional), de forma a que as valências de uns ajudassem a resolver as fraquezas de outros: uma região que atuaria em bloco, fluindo competências e atitudes, mas também aproveitando o efeito de sinergias múltiplas. Assim, ao contrário do que agora se afirma, seria possível tirar partido dos vários recursos endógenos disponíveis, adotar uma atitude de cooperação intrarregional e dinamizar os melhores esforços dos vários agentes locais, de forma a não deixar ninguém para trás e afirmar que é possível gerir o território de forma equilibrada e partilhada (sem duplicação de recursos), reforçando a sua atratividade e maximizando as suas potencialidades.

A nova gestão do despovoamento não é só um reconhecimento de incapacidade, mas também uma inaceitável desistência de “porções importantes” do território nacional, quando se andou a prometer, ao mais alto nível (incluindo o primeiro-ministro e o Presidente da República), que o interior era uma prioridade e se iriam desenvolver esforços no sentido de identificar políticas públicas, suportadas em fundos comunitários, para o desenvolver. Mas é também uma cedência a um modelo de país pobre e bipolarizado, sem estratégia de longo-prazo e que não valoriza e é incapaz de tirar partido da diversidade do seu território. Portugal recebeu e gastou mais de 100 mil milhões de euros em fundos comunitários, atribuídos ao país para coesão e desenvolvimento regional, pelo que é inaceitável, depois de todos os discursos e promessas, que se venha agora dizer que afinal era impossível cumprir o objetivo a que nos comprometemos. É injusto para com essas regiões, exige responsabilidades políticas e tem de ser desmentido. Porque não é verdade.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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