Na política o jogo de máscaras não tem fim

A política tornou-se um terreno cada vez mais escorregadio e até alucinante – como continuamos a constatar através de tantas situações que se sucedem pelo mundo

A política sempre foi um jogo de máscaras, mesmo que não a devamos reduzir a isso, desvalorizando o seu capital representativo e democrático indispensável às sociedades civilizadas. Mas quando esse jogo ameaça sobrepor-se a tudo o mais e se falseiam as regras do confronto democrático, transforma-se a política no reino da confusão onde tudo se mistura e os programas partidários tendem a reduzir-se a golpes de prestidigitação.

No Reino Unido e na Itália temos assistido recentemente a representações antagónicas desse jogo de máscaras. No primeiro caso, Boris Johnson levou quase até ao limite do inverosímil uma sucessão de truques políticos que haveriam de voltar-se todos contra ele, tornando praticamente inviável a sua sobrevivência como primeiro-ministro e arauto do hard "Brexit”.

Já em Itália, o primeiro-ministro Giuseppe Conte conseguiu uma transfiguração que se diria totalmente improvável: chefe do Governo que juntou a Liga de Salvini e o Movimento 5 Estrelas (M5S), sucedeu a si mesmo noutro Governo com uma composição e orientação profundamente diversas: em vez da extrema-direita, o aliado do M5S é agora o Partido Democrático (PD) de centro-esquerda (herdeiro longínquo do velho Partido Comunista). Ora, Conte parece ter encontrado o papel (ou a máscara) que mais lhe convém no jogo político, conseguindo neutralizar – pelo menos para já e ao contrário do que se vaticinava – a ameaça de Salvini e propondo-se executar uma política contrária àquela que encarnara no seu Governo anterior.

Ainda na semana passada, registei aqui que as tentativas de entendimento entre o PD e M5S pareciam altamente comprometidas pelas últimas exigências dos 5 Estrelas – o que favoreceria totalmente Salvini –, mas a verdade é que Conte e os seus parceiros lá conseguiram entender-se e seguir em frente.

Quer tudo isto dizer que a Itália se tornou um exemplo de sensatez democrática enquanto o Reino Unido parece condenado ao beco sem saída do «Brexit»? Estaremos perante dois casos antagónicos que ilustram a desorientação europeia? Não necessariamente, até porque é demasiado cedo para confirmar a solidez da nova aliança italiana e talvez – nunca se sabe – ainda exista uma escapatória miraculosa para o «Brexit» se Johnson conseguir agarrar-se a uma imprevisível tábua de salvação.

Seja como for, a política tornou-se um terreno cada vez mais escorregadio e até alucinante – como continuamos a constatar através de tantas outras situações que se sucedem pelo mundo, desde a revolta de Hong-Kong às consequências globais da guerra comercial entre os EUA e a China, sem esquecer o conflito nuclear com o Irão. Daí a relevância do tal jogo de máscaras a que recorrem tantos protagonistas da actualidade, atingindo por vezes um frenesim teatral (ou fílmico). Um jogo que oscila entre o teatro shakespeariano e a comédia italiana.

Aqui em Portugal somos mais comedidos, mas que dizer do aviso de Jerónimo de Sousa na festa do Avante! contra o perigo da “maioria absoluta” do PS, terrível ameaça abençoada pelo “grande capital"? Depois do debate tão amistoso e quase cúmplice entre Jerónimo e Costa na TV, como se entende que a herança da “geringonça” possa ficar hipotecada a um PS refém do capitalismo mais insaciável? 

As máscaras precisam de espectros e é também nesse terreno que se confrontam Costa e Catarina Martins (por mais social-democrata que ela hoje pretenda ser…). Mas tudo é mesmo possível: o candidato do PS às eleições regionais da Madeira, Paulo Cafôfo, não tem qualquer pejo em confessar ao Expresso: «Jardim é uma personalidade inigualável». A máscara tutelar da oposição socialista madeirense é mesmo o «inigualável» Alberto João Jardim, por razões que talvez Cafôfo sonhe imitar…

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