Manuscrito de John Locke descoberto por académicos em Maryland
O texto, até aqui desconhecido pela academia, aprofunda as considerações do filósofo inglês acerca da tolerância para com os católicos.
Foi encontrado nos arquivos da biblioteca da Universidade de St. John, no campus de Anápolis, em Maryland, um manuscrito original de John Locke (1632-1704) com mais de 300 anos. O pensamento de Locke é considerado uma das pedras fundacionais do liberalismo clássico e da democracia ocidental, que influenciou o movimento intelectual e filosófico que reinou no século XVIII – o Iluminismo –, bem como os ideais da revolução francesa e da constituição americana.
O novo achado resultou da iniciativa do académico independente J. C. Walmsley, com a ajuda do seu antigo colega de Cambridge, Felix Waldman. Este último contou ao Wall Street Journal como Walmsley, ao folhear um catálogo de livros de 1928, se deparou com o título de um texto de John Locke que desconhecia, e que a teimosia o levou a perseguir. De facto, o título, Reasons for Tolerating Papists Equally with Others, levava a crer que se tratava de uma atribuição errónea. Em 1689, na sua Carta Sobre a Tolerância, uma das obras-chave de Locke, posterior à que foi encontrada, o filósofo propõe uma visão liberal da Igreja Anglicana na sua relação com as seitas protestantes, mas não estende essa tolerância a católicos e ateus.
Foi, por isso, uma surpresa o surgimento do manuscrito. Ao receber uma versão digitalizada do documento, Walmsley identificou de imediato a caligrafia de Locke e a sua busca incessante levou-o a Anápolis. O documento contém uma sucessão lógica, bem à maneira lockeana, que põe a polémica hipótese de tolerar os católicos, num tempo em que estes e protestantes se perseguiam e se opunham em conflitos militares.
John Locke nasceu e viveu na Inglaterra do século XVII, enquanto emergiam no continente europeu os estados absolutos, liderados por monarcas que concentravam todo o poder sob o inviolável e divino direito de governar. Pelo contrário, no parlamento inglês – que já existia desde o século XIII –, lutava-se para limitar as tendências centralistas. Depois de uma tentativa falhada de assassinato do rei Carlos II de Inglaterra, em 1683, John Locke apesar de não estar directamente envolvido, viu-se obrigado a fugir da sua terra natal e a procurar exílio nos Países Baixos durante seis anos. Aí reforçou as suas ideias sobre a tolerância e a relevância da liberdade no quadro da monarquia constitucional, bem como a sua condenação do absolutismo régio, que associava aos permanentes conflitos religiosos e políticos que assolaram a Europa de então.
Quando partiu para o exílio, o filósofo terá deixado na posse do seu amigo e membro do parlamento Edward Clarke, em conjunto com outros textos, este manuscrito. Ao longo de várias gerações ficou na posse da família, até passar para a posse da leiloeira Sotheby’s em 1922. Trocado de mão em mão, acabou por ser doado à Universidade de St. John; quando e porquê permanece no campo da especulação.
O filósofo acaba por concluir, no final do manuscrito, a impossibilidade de poder estender a tolerância aos católicos, visto que a infalível autoridade do papa sobre estes entrava em conflito com a obediência que deviam prestar ao governo inglês. Os académicos já dedicaram um estudo à sua descoberta, publicado no Historical Journal da Cambridge University Press.