Trotinetas: o vandalismo tem impacto ambiental

Se uma trotineta que poderia durar um ou dois anos morre muito antes desse tempo, é normal que venha uma outra, duplicando assim a existência das baterias e demais componentes no planeta. E isto repete-se, num círculo vicioso.

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Pedro Fazeres

A Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, publicou um estudo em que avalia o ciclo de vida das trotinetas eléctricas, questionando o facto de serem um veículo amigo do ambiente. Um dos grandes argumentos utilizados para esta conclusão é de que “apenas” 34% dos utilizadores substituíram a viagem de trotineta pelo carro particular. Pessoalmente, considero muito relevante que 34% das pessoas que utilizavam carro diariamente o tenham trocado por um veículo suave partilhado, num serviço que surgiu há pouco mais de dois anos no mundo...

O outro argumento é o de que o processo de produção deste tipo de veículos e os componentes que os integram acabam por ter um impacto ambiental e que, portanto, não podemos falar de veículos com zero emissões de carbono. Analisemos, então, este último argumento: feitas as contas, o estudo indica que a produção e gestão de uma trotineta eléctrica partilhada acaba por ser responsável por cerca de 200 gramas de dióxido de carbono por quilómetro. Em comparação, um carro privado é responsável por mais do dobro, com quase 415 gramas de dióxido de carbono por quilómetro.

Estas emissões não seriam tão problemáticas, admitem os investigadores, se pudéssemos garantir que todos os veículos partilhados — neste caso, as trotinetas — têm um tempo de vida útil suficiente, dividindo a pegada ecológica nas inúmeras viagens feitas por vários utilizadores distintos no mesmo dia, substituindo tantos carros numa cidade.

E aqui entramos no verdadeiro problema: qual é o grande entrave a que este tipo de veículos partilhados tenha um tempo de vida útil suficientemente grande para atenuar a sua pequena pegada ecológica?

O vandalismo e a utilização abusiva, tantas vezes generalizada. Logicamente, um menor tempo de vida deste tipo de veículos faz com que os mesmos, em vez de terem a vida que lhes estava destinada, oferecendo viagens rápidas para curtas distâncias a dezenas de utilizadores diferentes no mesmo dia, tenham de ser reciclados ou reutilizados para peças e retirados das ruas. Por outro lado, se uma trotineta que poderia durar um ou dois anos morre muito antes desse tempo, é normal que venha uma outra, duplicando assim a existência das baterias e demais componentes no planeta. E isto repete-se, num círculo vicioso.

E é sobretudo sobre este ponto que gostaríamos de trazer uma reflexão: já são demasiado comuns as fotografias e os sites que aplaudem este tipo de vandalismo, imagens disseminadas em brincadeira pela Internet, tantas vezes inocentemente por pessoas que defendem, precisamente, uma maior consciência ecológica social. Sabemos que a novidade e as paixões incendiárias geradas por este tipo de veículos fazem com que estes surjam como um brinquedo ou um obstáculo a ser maltratado, em vez de serem consideradas as possibilidades que trazem para as cidades: uma forma complementar de mobilidade suave na cidade, prática, segura e divertida.

Uma forma de mobilidade que pode contribuir para diminuir o uso de outro tipo de mobilidade mais poluente, mais ruidosa e mais agressiva na cidade.

Ainda que exista um meritório trabalho de consciencialização por parte da PSP, da Câmara Municipal de Lisboa e, claro, de todas as operadoras, para que sejam respeitadas as regras de utilização destes veículos e do código da estrada, a realidade é que ainda recolhemos um número significativo de trotinetas danificadas, vandalizadas, a precisar de manutenção ou mesmo de substituição. Ainda que procedamos ao arranjo de umas e à reciclagem de outras, sabemos que existem dois caminhos nos quais a aposta tem de ser grande: por um lado, o trabalho de consciencialização dos utilizadores de trotinetas e das cidades, que continuaremos empenhadamente a fazer; e, por outro, o desenvolvimento de equipamentos ainda mais resistentes, que prolonguem o tempo de vida de cada trotineta, resistindo a um maior número de utilizações — boas e más.

Finalmente, não nos podemos esquecer que este ambiente da mobilidade partilhada, especialmente no que às trotinetas diz respeito, é embrionário. E, por isso, todo o trabalho realizado neste contexto por todos os intervenientes, dos utilizadores às operadoras, passando por reguladores governamentais, é um trabalho contínuo de adaptação e, sobretudo, de cooperação. Um caminho que é preciso percorrer com consciência cívica, em sociedade.

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