Vandalismo — e não só — estraga o “selo verde” das trotinetas eléctricas

Um estudo sustenta que para as trotinetas eléctricas serem uma alternativa de mobilidade verdadeiramente sustentável, o seu tempo de vida tem de ser aumentado e a gestão mais optimizada. Empresas do sector respondem que a sustentabilidade é prioridade.

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Na cidade estudada, as trotinetas duram entre seis meses a dois anos Nuno Ferreira Santos

As trotinetas eléctricas têm entrado em centenas de cidades com o carimbo de serem uma alternativa de mobilidade mais rápida e ambientalmente mais sustentável do que os carros, autocarros e motas movidos a gasóleo ou gasolina. Mas um estudo recentemente publicado mostra que este meio de transporte está ainda longe de ter um impacto ambiental positivo. Pelo contrário: o fabrico, os materiais usados e a logística necessária para recolher os veículos e carregar as baterias tornam as trotinetes uma opção menos sustentável do que outras.

“Se as trotinetas podem ser uma solução eficaz para o congestionamento urbano e para o problema do último quilómetro, elas não reduzem necessariamente os impactos ambientais do sistema de transportes”, concluíram investigadores da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Num artigo publicado no número de Agosto da revista científica Environmental Research Letters, os autores argumentam que “aumentar o tempo de vida das trotinetas, reduzir as distâncias na recolha e distribuição, usar veículos mais eficientes e carregar as baterias menos frequentemente podem reduzir significativamente os impactos ambientais adversos”.

Joseph Hollingsworth, Brenna Copeland e Jeremiah X Johnson, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental daquela universidade, partiram de uma premissa simples: as trotinetes não têm emissões de gases poluentes, por isso o seu impacto ambiental tem de ser avaliado desde o momento em que elas são fabricadas até ao fim da sua vida útil.

Tomando como exemplo a cidade de Raleigh, na Carolina do Norte, onde operam duas empresas de trotinetas eléctricas partilhadas, os autores perceberam que o tempo médio de vida de uma máquina oscila geralmente entre os seis meses e os dois anos, mas que o vandalismo e o mau uso diminuem o seu prazo de validade, o que faz aumentar a necessidade de serem substituídas. Cada trotineta é composta por seis quilos de alumínio, 1,4kg de aço, uma bateria de lítio, um motor eléctrico, pneus e tubagens.

Produzidas na China, as trotinetas chegam aos Estados Unidos por via marítima e são depois distribuídas em camiões. Da cidade chinesa de Shenzen a Raleigh são uns 16 mil quilómetros de viagem, o que corresponde a qualquer coisa como 277 toneladas-quilómetro (carga x distância) por trotinete. Ainda assim, o transporte dos veículos não tem um peso ambiental significativo, concluem os investigadores.

Transporte à noite emite CO2

Por outro lado, em Raleigh, “as trotinetas são recolhidas todas as noites para serem recarregadas, independentemente do nível de bateria que tenham”, por pessoas que não têm “rotas ou áreas específicas de recolha”, podendo apanhar “quaisquer trotinetas em qualquer lugar da cidade”. Trata-se de um trabalho geralmente feito num automóvel ou carrinha, que sempre acarretam emissões poluentes.

Outra conclusão deste estudo, que vem confirmar resultados de anteriores trabalhos, é a de que as viagens em trotinetas eléctricas estão sobretudo a substituir viagens de bicicleta ou a pé. Num inquérito feito a utilizadores de Raleigh, 49% dos entrevistados disseram que se teriam deslocado de uma dessas formas, enquanto 34% substituíram o carro pela trotinete e 11% teriam apanhado um autocarro.

Por estes motivos, os autores sustentam que “afirmações sobre os benefícios ambientais das trotinetas devem ser encaradas com cepticismo”.

Nada que não se resolva com uma maior optimização, defendem. Às empresas que operam no sector sugerem que centralizem a recolha de trotinetas e que incentivem o uso de automóveis eléctricos nessas recolhas. “Reduzir a distância média percorrida para recolha e distribuição em 965 metros por trotineta reduz, em média, os impactos ambientais em 27%”, defendem ainda.

Outra sugestão vai para as autoridades de cada cidade. “Permitir que as trotinetas fiquem no espaço público durante a noite diminuiria o peso das deslocações automóveis associadas à recolha de trotinetas com as baterias cheias ou quase cheias”, dizem. “Adicionalmente, as cidades podiam melhorar as medidas contra o vandalismo ou mau tratamento das trotinetas, que resultam em tempos de vida mais curtos.”

Notícia corrigida: Uma versão anterior deste artigo mencionava que o transporte das trotinetas da China para os Estados Unidos originava uma emissão de dióxido de carbono de 277 toneladas por quilómetro, o que não estava correcto. 

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