A PGR como trunfo para governar. Passos Coelho recorreu mais do que António Costa

Desde 1976 foram emitidos 19 pareceres pela Procuradoria Geral da República sobre greves. Conselho Consultivo já considerou legal impor serviços mínimos a trabalho extraordinário.

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Todos os governos podem recorrer ao conselho consultivo ANTvìNIO COTRIM

Em menos de um mês, o Governo de António Costa socorreu-se de pedidos de pareceres ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para se municiar de argumentos nas crises deste Verão. O recurso à PGR não é inédito ou sequer raro. E fazê-lo por causa da lei da greve também não. 

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Em menos de um mês, o Governo de António Costa socorreu-se de pedidos de pareceres ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para se municiar de argumentos nas crises deste Verão. O recurso à PGR não é inédito ou sequer raro. E fazê-lo por causa da lei da greve também não. 

O Governo já pediu 37 pareceres sobre vários temas, um número ainda assim inferior aos 68 requeridos pelo executivo de Passos Coelho, período em que, por causa do acordo com a troika, estiveram em cima da mesa várias medidas cuja legalidade levantou dúvidas. Estes números são os que resultam da pesquisa no site da PGR, podem não ser absolutamente rigorosos, uma vez que nem todos os pareceres têm visível a data em que foram pedidos. 

Os temas também são variados, vão desde perguntas sobre expropriações a interpretações legislativas ou mesmo a esclarecimentos sobre contratos do Estado. O Governo também usou este instrumento para obter esclarecimentos a propósito do contrato de concessão de petróleo ao largo de Aljezur.

A legalidade de greves é um dos tópicos mais recorrentes. Ao todo, foi possível contabilizar 19 pareceres relacionados com greves, desde 1976.

Ao fim de seis meses de Governo, Passos Coelho viu-se confrontado com o pré-aviso de greve dos médicos ao trabalho extraordinário ou suplementar e em cima da mesa estava a dúvida sobre se esta greve poderia pôr em causa o funcionamento das urgências. Tratando-se de uma greve ao trabalho além do horário normal, considerava o sindicato que não havia lugar ao estabelecimento de serviços mínimos. No parecer, a PGR considerou que, tratando-se de uma greve ao trabalho extraordinário e suplementar seria, na prática, uma greve aos serviços de urgência e, por isso, estava o Governo autorizado a decretar serviços mínimos para esses serviços (e outros considerados indispensáveis). Acrescentava que a recusa a cumprir esses serviços era “ilícita”.

Este Governo também já recorreu ao conselho consultivo da PGR a propósito de greves e fê-lo por três vezes: sobre a greve cirúrgica dos enfermeiros; sobre a legalidade de uma greve dos trabalhadores dos registos; e agora sobre a greve dos motoristas de matérias perigosas. Se neste último caso, a greve foi considerada legal, mas considerados também legais os os serviços mínimos que o Governo decretou e o sindicato considerou “máximos”, a PGR considerou ilegal a greve dos enfermeiros, por esta ser “cirúrgica”. Conclusão semelhante foi a do conselho consultivo quando se pronunciou, em Setembro de 2018, sobre a greve marcada pelo Sindicato Nacional de Registos. Por ser uma “greve self-service” em que os trabalhadores decidiam quando paravam, a PGR considerou enquadrar-se na chamada “greve surpresa”, que não legalmente admissível.

Nem todos os pareceres chegam a ver a luz do dia. Para terem valor efectivo, para servirem de orientação para a administração pública, precisam de ser homologados pelo Governo e nem sempre o são, sobretudo quando as suas conclusões não dão razão ou não convêm ao executivo, que não os pode usar como trunfo político. Um dos casos mais recentes em que se soube que um parecer não tinha sido homologado foi o relativo à questão da imunidade de Manuel Vicente, uma tentativa do Governo de resolver o incidente diplomático pelo envolvimento do antigo vice-presidente de Angola na Operação Fizz. As conclusões do conselho consultivo nunca chegaram a ser conhecidas

No último mês, António Costa perguntou ao conselho consultivo da PGR sobre as consequências da lei da incompatibilidades, depois de vários ministros terem estado debaixo de holofotes por causa de negócios de familiares de governantes com o Estado, mesmo que não directamente relacionados com áreas tuteladas pelo membro do Governo. Este parecer não deverá chegar antes da primeira quinzena de Setembro. Durante as férias judiciais, só está prevista uma reunião do conselho consultivo que, em meses de trabalho regular, se reúne a cada 15 dias.