Se o mundo aquecer dois graus, os Verões serão mais extremos

O aumento da duração dos fenómenos meteorológicos extremos no Verão poderá levar a impactos significativos na agricultura, na saúde e na economia.

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Uma mulher bebe água durante uma onda de calor em Junho deste ano em França Pascal Rossignol/Reuters

Afinal, não nos esperam apenas Verões com fenómenos meteorológicos extremos mais intensos e frequentes, mas também mais duradouros. De acordo com um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Climate Change, se a temperatura média global do planeta aumentar dois graus Celsius face aos níveis pré-industriais, ondas de calor, secas e períodos de chuvas no Verão poderão ser mais longos na Europa, na América do Norte e em algumas partes da Ásia. Mas ainda se pode evitar grande parte desta situação se se limitar o aquecimento global nos 1,5 graus Celsius.

Ao longo deste estudo, uma equipa de investigadores da Alemanha, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos comparou projecções de diferentes modelos climáticos. Depois, partiram do aumento de cerca de um grau Celsius da temperatura média global (GMT) face aos níveis pré-industriais e criaram dois cenários futuros: num a GMT subiria 1,5 graus relativamente aos níveis pré-industriais, e no outro aumentaria dois graus.

Consequência neste segundo cenário: se a GMT subir dois graus, os períodos meteorológicos quentes mais longos do que duas semanas aumentarão cerca de 4% nas latitudes médias do hemisfério Norte comparados com os do clima actual. “Fenómenos meteorológicos extremos poderão tornar-se mais persistentes – tanto períodos quentes e secos como dias consecutivos de chuva intensa poderão ser mais longos”, realça Peter Pfleiderer, do instituto alemão Climate Analytics e um dos autores do trabalho, num comunicado da sua instituição.

No mesmo comunicado, destaca-se que o aumento dos fenómenos meteorológicos extremos poderá ser mais acentuado no Leste da América do Norte, na Europa Central e no Norte da Ásia. Concretamente, períodos de muito calor e seca mais longos do que duas semanas poderão ser 10% mais prováveis na América do Norte Central. Já períodos de chuva intensa poderão ser 26% mais elevados em toda a zona temperada do hemisfério Norte comparados com o clima actual, o que poderá levar a mais cheias.

Em Portugal

Neste estudo, Portugal integra a região Mediterrânea (não foi feita uma análise por país), onde se verifica uma diminuição do índice padronizado de precipitação nos três meses anteriores, um decréscimo da faixa onde ocorrem tempestades e um aumento da aridez dos solos, o que “provavelmente contribui para um aumento de uma seca persistente”, segundo o artigo científico. Também Carl-Friedrich Schleussner, do Climate Analytics e um dos autores do artigo, destaca ao PÚBLICO o “aumento da duração do calor e dos períodos de seca” em Portugal.

Mas, segundo os autores, se se limitar a subida da temperatura média global nos 1,5 graus Celsius relativamente aos níveis pré-industriais, o aumento da duração dos fenómenos meteorológicos extremos no Verão verificado no cenário dos dois graus será evitado. “A nossa investigação mostra que se limitarmos o aquecimento nos 1,5 graus Celsius, tal como os governos acordaram quando assinaram o Acordo de Paris [de 2015 e negociado por 195 países], muitos desses impactos [do cenário dos dois graus] poderão ser reduzidos”, assinala Carl-Friedrich Schleussner.

Em 2018, um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) sobre os impactos da subida da temperatura em 1,5 graus Celsius até ao final do século XXI face aos valores pré-industriais mostrou que com um esforço significativo ainda é possível limitar a subida da temperatura global nos 1,5 graus Celsius. Contudo, Carl-Friedrich Schleussner alerta que, se o percurso das emissões actuais se mantiver, o aumento dos dois graus Celsius poderá ser alcançado em meados deste século e podemos mesmo chegar aos três graus Celsius.

Caso isso venha mesmo a acontecer e os fenómenos extremos no Verão se tornarem mais duradouros e intensos, haverá impactos “significativos” na saúde, nos ecossistemas, na agricultura e na economia, reforça-se no comunicado. Para exemplificar esses impactos, os autores destacam os longos períodos de clima quente e seco entre Abril e Setembro de 2018 no Oeste da Europa (apenas com pequenas interrupções de um clima mais frio e de chuva), que contribuíram para perdas de 15% na produção de trigo na Alemanha.

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Para chamar a atenção para o aquecimento global, descerrou-se uma placa no sítio de um glaciar já desaparecido na Islândia EPA

Já noutras latitudes assinala-se a perda de glaciares devido às alterações climáticas. No domingo, descerrou-se uma placa no sítio do desaparecido glaciar Okjokull (ou apenas Ok) no Oeste da Islândia para se chamar a atenção do aquecimento global. Na placa intitulada “Uma carta ao futuro” e com a menção de “415 ppm [partes por milhão] CO2”, uma referência ao nível recorde de concentração de dióxido de carbono registado em Maio deste ano, refere-se que o Ok foi o primeiro glaciar islandês com nome próprio a perder esse estatuto devido ao aquecimento global. “Nos próximos 200 anos, espera-se que todos os nossos glaciares sigam o mesmo caminho”, lê-se ainda. Será este um fim anunciado para o clima que estamos habituados em diferentes regiões do planeta?

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