Centenas contra a extrema-direita: “Temos de os enfrentar e mostrar que não vão passar”

A contramanifestação organizada para responder à extrema-direita teve cerca de 400 pessoas, segundo a PSP. Organização fala em duas mil entre Rossio e Camões. Em pleno Chiado, gente de várias gerações gritou “nazismo não” ou “fascismo nunca mais”. PÚBLICO contou cerca de 70 pessoas na reunião de líderes de extrema-direita europeus, no Hotel Sana, onde se fez a saudação nazi. Ministério da Administração Interna não comenta conferência.

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“Ainda é muita gente”, comenta uma turista a olhar para o grupo de pessoas que se prepara para sair do Rossio e subir a Rua Garrett. Na tarde deste sábado o Chiado, em Lisboa, em vez de ser percorrido pelos habituais turistas foi dominado por centenas de manifestantes a entoar com voz sonante, e em coro, frases como: “nazis, fascistas chegou a vossa hora, os imigrantes ficam e vocês vão embora” ou “estes fascistas andam à solta e o Governo deixa andar, mas o povo não vai deixar passar”.

Desfilando por uma das áreas mais movimentadas da cidade, estavam a participar na manifestação de protesto contra a reunião de organizações de extrema-direita, que decorreu no mesmo dia em Lisboa. A ideia da contramanifestação começou no núcleo de Braga e do Porto da Frente Unitária Antifascista, que produziu um manifesto assinado por dezenas de associações nacionais e internacionais; também foi lançada uma petição a apelar aos partidos que não ficassem calados, à qual responderam o Bloco de Esquerda, o Livre, o PAN, que se associaram ao protesto - o PCP condenou o encontro. O BE, o Livre e o Movimento Alternativa Socialista fizeram-se notar com bandeiras entre as dezenas de cartazes. Nenhum partido de direita estava visível durante a marcha.

Ao ver a imensa massa de gente a passar, e com ar surpreso, turistas de várias partes do mundo empunhavam os telemóveis, a tirar fotografias ou a filmar; houve até quem pedisse aos guias para traduzir o que ouviam. Na multidão, vinda do ponto de encontro no Rossio e em direcção à Praça Luís de Camões, empunhavam-se cartazes a dizer em inglês “nazis no”; a dada altura um dos homens que estava na linha da frente com o megafone falava italiano.

PSP diz 400, organização fala em duas mil

A acompanhar a manifestação havia pelo menos uma dezena de agentes da PSP fardados. Segundo a oficial que comandou a operação da polícia, estavam ali reunidas pelo menos 400 pessoas a subir a Rua Garrett. A organização diz que no Camões estiveram 500 pessoas e cerca de duas mil entre o Rossio e aquele ponto, escreve a Lusa. Podia ver-se gente de todas as idades, de crianças a mais velhos, jovens, portugueses, estrangeiros, várias gerações cruzadas, activistas, membros de alguns partidos de esquerda. O facto de acontecer num dos poucos dias de maior calor deste mês, hora de almoço, sábado, não demoveu os manifestantes. “A existência de um único fascista é uma ameaça”, dizia um dos intervenientes junto à estátua de Camões, transformado em palanque. Nas faixas, em cartazes, lia-se: “Fascismo nunca mais.”

Helena Abreu, reformada de 74 anos, veio marcar essa posição: “Não queremos nazis nas nossas vidas. Isto parece uma doença que se está a espalhar, temos que mostrar [as nossas posições]”. Como alguém que viveu o salazarismo, afirma: “Já vivi a ditadura, foi mau que baste!”

Com 26 anos, Tomás Barão, funcionário público, veio de Setúbal. “Portugal ainda está relativamente mais livre da extrema-direita do que outros países na Europa, espero que se mantenha e que mostre que é possível uma alternativa: uma política de esquerda, uma política de solidariedade por oposição ao ódio.” Acredita que todos deviam juntar-se ao protesto, mesmo os que não são directamente afectados pelo discurso de extrema-direita porque no final toda a sociedade acaba por sofrer as consequências.

Também “a resistência” em Portugal ao crescimento da extrema-direita marca o discurso do belga Andre, de 63 anos. Com uma câmara na mão, refere que “Portugal é dos poucos países sem extrema-direita, isso é muito bom e este não é o momento para começar” a tê-lo. “Esta reunião devia ter sido proibida”, afirma. “É um movimento racista”, diz. Lembra que a parte flamenga do seu país elegeu um líder da extrema-direita (presidente do partido Vlaams Belang, Tom Van Grieken) e que em França “ninguém proibiu Le Pen”: “Uma vez que estão no poder, é muito difícil pará-los”, comenta.

Um dos organizadores, Jonathan Ferreira da Costa, comenta ao PÚBLICO que a ascensão da extrema-direita é “muito rápida”, de um “ano para o outro são eleitos”. Vindo de Braga no comboio, ele estava à espera de umas 100 ou 200 pessoas no protesto, por isso as centenas superaram a sua expectativa.

Brasileira a viver em Portugal há uma década, Carolina Santos, 26 anos, veio de Sintra e foi uma das mulheres na linha da frente na marcha. “A nossa liberdade está em perigo com a ascensão da extrema-direita. Temos de os enfrentar e mostrar que não vão passar”, explica. Já foi alvo de racismo em Portugal e tem sentido uma ascensão de ideias como “o ódio aos imigrantes”. Os partidos de extrema-direita “podem usar o medo das pessoas para veicular a ideia de que os imigrantes vão roubar o trabalho dos portugueses”, conclui.

Reunião de extrema-direita com 70 pessoas

Se um dos objectivos era que esta manifestação falasse mais alto do que a reunião de organizações de extrema-direita, então ele parece ter-se cumprido: segundo contas do PÚBLICO, estavam cerca de 70 pessoas na sala do Hotel Sana, em Lisboa. A conferência chegou a estar marcada para o Hotel Altis Belém mas, segundo a organização, aquela empresa cancelou o evento. A sala onde acabou por se realizar fica em pleno centro da cidade, terá custado cerca de 800 euros e tinha capacidade para 220 pessoas.

O promotor da reunião é o líder do movimento Nova Ordem Social, Mário Machado, rosto da extrema-direita portuguesa que já esteve preso por vários crimes, relacionados com discriminação racial, coacção agravada, detenção de arma ilegal, ameaça, dano e ofensa à integridade física qualificada.

Ao início da tarde deste sábado, e sem qualquer aparato policial visível à porta do hotel, o grupo iniciava a conferência que contou com a participação de apoiantes da extrema-direita europeia. Nem toda a gente sentada na sala exibia sinais exteriores da ideologia que ali se discutia mas alguns, como a oradora italiana Francesca Rizzi, não o escondiam, exibindo nas costas uma tatuagem com uma águia e uma suástica. Depois de um longo discurso contra os homossexuais, contra a ideia da “raça mista”, contra os imigrantes, contra os judeus, e pela defesa da “raça ariana”, levantou-se e fez a saudação nazi, dizendo “sieg heil”. Houve quem repetisse o gesto.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Administração Interna sobre a realização desta conferência em Lisboa, mas a tutela optou pelo silêncio.

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