A Vanessa vai deixar de fumar

A Vanessa mostrou alguma ansiedade violenta típica das pessoas que passaram uma vida a adorar fumar e vêem-se forçadas a acabar com um prazer. Deixar de fumar era pior do que um divórcio: por muito doloroso que fosse o processo, em geral já não havia nenhum prazer.

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  • Tenho que deixar de fumar

Toda a gente tem que deixar de fumar, inclusivamente eu, mas a Vanessa anda a dizer isto há anos e nada.

- Mas o que te deu agora?, perguntei-lhe quando apareceu com aquela cara de entulho que as pessoas têm quando dizem que precisam de deixar de fumar.

- Foi o médico. Disse que se não deixo de fumar estou feita.

- Feita a que nível?

- A um nível indeterminado.

Aprendi com o meu pai uma regra que sigo até aqui religiosamente para ou bem e para o mal: deve-se evitar até ao limite ir a médicos, porque eles dizem-nos coisas e, pior, descobrem-nos coisas. Se for possível, nem devemos ter amigos médicos. Em caso de extrema necessidade, é conveniente encontrar um médico que goste de política, para que parte da consulta seja passada a falar da correlação de forças. O corpo é uma coisa tão estranha, com os seus próprios ritmos que muitas vezes cura-se por si. (Vá, quem está a escrever isto não sou eu, nem a Vanessa, é o meu paralisante terror a médicos. Não recomendo esse terror a ninguém). 

Mas fiquei preocupada com a Vanessa.

- Mas tens que deixar de fumar já?

- Não. Até 31 de Agosto vou fumar tudo o que puder e inclusivamente atirar as beatas para o chão. Vai-me dar imenso gozo atirar as beatas para o chão.

[Desde que Portugal tinha passado a ser culturalmente dominado pelo PAN, o antigo Partido dos Animais, que não é de esquerda nem de direita – a proclamação populista por excelência – as beatas no chão tinham-se tornado um assunto de relevante interesse nacional. Antigamente, o rol de prioridades estava mais ou menos definido, não só pela Constituição, mas também por uma canção famosa de Sérgio Godinho: “A paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Agora, para acompanhar os tempos, Sérgio Godinho teria que cantar “A paz, o pão, habitação, saúde, educação, beatas fora do chão”].

- Mas como vais deixar de fumar? Vais a um médico?

- Não, fogo! Já me chegou este!

- Mas agora há montes de maneiras de deixar de fumar. Pastilhas e não sei o quê, injecções atrás da orelha, hipnose. Devias pensar nisso.

A Vanessa mostrou alguma ansiedade violenta típica das pessoas que passaram uma vida a adorar fumar e vêem-se forçadas a acabar com um prazer. Deixar de fumar era pior do que um divórcio: por muito doloroso que fosse o processo, em geral já não havia nenhum prazer.

- Então que vais fazer?

- Vou pensar em como geri os meus três divórcios. Aquilo também foram fins de ciclo, não foram? E um casamento na verdade é um vício! Se eu tive recursos psicológicos para me divorciar também vou conseguir acabar com o tabaco.

Achei a ideia boa.

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