Trump autoriza “bombas de cianeto” para matar animais selvagens

As armadilhas M-44 utilizam cianeto de sódio para matar animais selvagens que possam estar a pôr em causa o sustento de agricultores ou criadores de gado.

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Os coiotes estão entre as espécies selvagens directamente afectadas pelas armadilhas de cianeto de sódio — as M-44 foram originalmente desenhadas para eles Center for Biological Diversity

A administração Trump voltou a autorizar que funcionários do governo utilizem dispositivos apelidados pelas organizações de defesa dos animais de “bombas de cianeto” para matar coiotes, raposas e outros animais selvagens. A decisão, anunciada esta semana, veio revogar a suspensão que vigorava desde Abril de 2017, após um acidente com um adolescente no estado do Idaho.

A armadilha em questão chama-se M-44 e foi desenhada para atrair canídeos (em particular, coiotes). Trata-se de uma “bomba” preenchida com cianeto de sódio (um composto que produz um gás altamente tóxico) que é projectado na boca dos animais após mordedura da armadilha — para a qual são atraídos através de uma substância odorífera. O dispositivo foi inventado na década de 1960 e ao longo dos anos sofreu várias alterações para o tornar mais eficaz e seguro, como resposta a vários acidentes que envolveram pessoas.

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Exemplo de um dispositivo M-44 Center for Biological Diversity

As M-44 são “escondidas” pelos serviços florestais norte-americanos em regiões frequentadas por animais selvagens. Este programa federal do Departamento de Agricultura dos EUA (Wildlife Services), que tem por missão gerir a relação entre a vida selvagem e o mundo rural, é responsável pela morte de um número considerável de animais selvagens todos os anos — para proteger agricultores e criadores de gado cujo sustento esteja a ser prejudicado pelos animais que comem as colheitas ou matam outros animais.

Em 2018, por exemplo, os responsáveis pelo programa revelaram que os seus agentes tinham matado mais de 1,5 milhões de animais, nomeadamente castores, ursos, lobos, patos e corujas, sendo que 6500 destes foram mortos através das armadilhas M-44.

Os ferimentos infligidos em pessoas e a morte de muitos animais domésticos geraram uma forte contestação contra o uso destes dispositivos, inclusive da parte do Centro de Diversidade Biológica (Center for Biological Diversity​), uma organização sem fins lucrativos norte-americana que se dedica à protecção de espécies em vias de extinção. Em 2017 a técnica foi suspensa, mas esta terça-feira, depois de completar a primeira fase de uma nova análise ao método, a Agência de Protecção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla inglesa) anunciou a permissão para o uso continuado de cianeto de sódio em M-44s em todo o país — exceptuando nos estados que já o tinham proibido.

No documento que expõe esta nova avaliação, a EPA concluiu que os dispositivos M-44 beneficiam os produtores de ovinos, caprinos e bovinos e que, na ausência destes dispositivos, “os produtores teria custos mais elevados e/ou perderiam grande parte do seu gado”. “A agência não conseguiu quantificar os impactos ou estimar o número de negócios que podem ser impactados pela retirada de ferramentas como as M-44, mas dada a natureza competitiva da indústria em questão, a agência determinou que era possível que a não utilização destes dispositivos pudesse levar à falência dos negócios de alguns produtores individuais”, lê-se no documento disponibilizado pela EPA.

Este tipo de armadilha é cada vez mais criticada pela população e por grupos de protecção animal, uma vez que recorre a um veneno poderoso e já causou a morte, ainda que acidental, de espécies ameaçadas ou em vias extinção, de animais domésticos e causou danos graves em seres humanos.

Segundo o relato do Centro de Diversidade Biológica, em 2017, um adolescente estava a passear com seu cão numa zona de floresta atrás de sua casa, no estado norte-americano de Idaho, quando o animal accionou uma armadilha de cianeto que lançou uma nuvem venenosa para o ar. O cão morreu no local e o jovem, que ficou cego durante algum tempo, foi transportado de urgência para o hospital — onde conseguiu recuperar. Os pais do adolescente acabaram por processar os serviços florestais.

Após este acidente, a utilização do M-44 foi suspensa, uma decisão agora revogada pela EPA. Embora a agência tenha uma visão diferente dos diversos grupos de protecção dos animais que protestaram a decisão mesmo antes de esta ter sido anunciada, a EPA impôs novas restrições ao uso de M-44. Entre outras medidas, a agência proíbe que os dispositivos sejam colocados num raio inferior a 30 metros de qualquer estrada ou caminho público, bem como de habitações ou outros edifícios. Junto a cada dispositivo devem também existir sinais de aviso colocados a pelo menos cinco metros, uma diminuição de cerca de sete metros em relação à regulação anterior, e todos os cidadãos que habitem a menos de um quilómetro de um M-44 devem ser notificados para sua protecção.

“Estas armadilhas de cianeto não podem ser usadas com segurança. Embora a EPA tenha adicionado algumas restrições, estes dispositivos já causaram demasiados danos para continuarem a ser utilizados. Precisamos de uma proibição nacional e permanente para proteger as pessoas, animais de estimação e animais selvagens ameaçados por este veneno” refere Collette Adkins, uma das directoras do Centro de Diversidade Biológica.

Embora alguns estados norte-americanos já tenham proibido a utilização destes dispositivos, a organização afirma as restrições não são suficientes e que não impedirão a morte de vários animais selvagens, a não ser que o método seja completamente banido em todo o país.

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