Wolfenstein: Youngblood, cooperação contra o nazismo

Obra que ganha ao ser partilhada com outro jogador, a nova empreitada da Machine Games fica aquém, num arco narrativo frágil e numa repetição que se faz sentir.

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A proposta da produtora Machine Games para o Verão está longe de ser uma brisa morna. Quem conhece o mundo dos videojogos está familiarizado com a saga Wolfenstein. O que começou na década de 1980 foi revigorado com as publicações dos excelentes The New Order em 2014 e de The New Colossus em 2017. A novidade agora é Wolfenstein: Youngblood.

A temática é a mesma: o nazismo. Youngblood leva-nos até 1980 e Hitler está fora de cena depois de ter sido morto por B.J. Blazkowicz, protagonista da série e pai das irmãs gémeas Jess e Soph. Os primeiros momentos da obra são dedicados a fortalecer essa união de família entre os Blazkowicz no Texas, onde agora reina a liberdade graças à queda do regime nazi. A Europa ainda não está livre da opressão e B.J. parte para tentar lidar com o assunto.

Infelizmente, as notícias da sua viagem tardam em chegar e o FBI não tem interesse em procurar o herói. Youngblood muda então as expectativas e entrega o protagonismo às jovens irmãs que partem, juntamente com Abby – filha de Grace Walker, figura de proa em The New Colossus –, numa operação para saber novidades sobre o paradeiro do pai. Do outro lado do Atlântico, o pano de fundo escolhido é Neu Paris, uma versão da capital francesa onde as suásticas abundam.

É um argumento que promete, mas que não tem a pujança dos anteriores. As irmãs têm uma irreverência e uma visão muito deturpada dos perigos, fazendo frente a tudo e a todos sem pensar nas consequências. A história tenta desesperadamente arranjar um antagonista, algo que é bem sentido no último terço, provando que uma obra que pode com chegar às quinze horas não consegue viver apenas da busca por uma personagem.

Essa reviravolta no jogo está bem conseguida, mas nunca deixa de ser um vilão forçado até às várias fases do confronto final. A teoria é que os seus planos passam pela edificação de um Quarto Reich, continuando o trabalho de Hitler. As irmãs, obviamente, não vão permitir que tal aconteça. Ao contrário de obras anteriores, em que a trama e as personagens eram alguns dos pontos mais fortes e complexos, em Youngblood é mais um texto para nos motivar a usar e abusar do extenso poder de fogo que vamos angariando pelo caminho.

É uma divisão de protagonismo que abre a porta a uma das funcionalidades mais interessantes da obra. O jogador escolhe uma das irmãs e a outra é controlada pela inteligência artificial ou por um segundo jogador. Ainda que as opções sejam algo limitadas, atacar estes cenários na companhia de alguém é o epicentro da diversão que se pode retirar de Youngblood.

Importa mencionar que, jogado a solo, a inteligência artificial faz os mínimos. Ainda que algumas das funcionalidades que unem os esforços das irmãs sejam executados atempadamente pela personagem controlada pela máquina, foram inúmeras as vezes em que ficou parada directamente na linha de fogo, incluindo nos confrontos finais.

A escolha da personagem com que queremos jogar não tem um impacto extraordinário na jogabilidade. Um dos grandes elos entre as duas é conhecido como pep signals, funcionalidade que permite a uma irmã fazer um gesto e pedir ajuda à outra. Por exemplo, o polegar para cima indica que precisamos de mais energia, mas podemos comprar vários, incluindo invencibilidade temporária para a dupla, poder reanimar a companheira à distância, assim como receber mais armadura, entre outros.

Além disso, em vez de cada uma ter a sua própria vida, há um conjunto de vidas partilhadas. Caso não consigam reanimar a vossa irmã ou serem reanimados por ela antes de o contador chegar ao fim, perdem uma vida colectiva. Só quando perdem todas as vidas é que recomeçam a aventura desde o último checkpoint. Podem reabastecer estas vidas caso as encontrem no cenário.

Youngblood assenta numa árvore de habilidades que são desbloqueadas consoante o progresso que vão fazendo. Acumulam experiência ao matar inimigos, ao realizar missões, sobem de nível para desbloquear pontos que são aplicados no desbloqueio de novas habilidades em três categorias distintas: mind, muscle e power. Há um patamar de habilidades que obriga o jogador a chegar pelo menos ao nível 30, algo que não é difícil se não realizarem apenas as missões principais.

As habilidades são idênticas a outros jogos anteriores. Aumentar a energia, aumentar a armadura, poder carregar armas mais pesadas ou mais munições, enfim, nada de extraordinário. É um método que deixa o jogador moldar a personagem consoante o seu estilo de jogo, mas que implica um progresso alto lento e trabalhoso. O jogo tem também um sistema que permite melhorar as armas que vamos coleccionando, obrigando-nos a passar a pente fino os cenários à procura de moedas de prata para que as compras sejam possíveis.

Enquanto estamos a derrubar o nazismo, temos nas catacumbas o nosso porto seguro. É aqui que vamos conversando com outras personagens, verificando os desafios diários e semanais, e de onde saímos para um esquema de missões que assenta em dois pilares: as três missões principais levam-nos a infiltrar e a derrubar três torres. Estas missões são conhecidas como Brother e é também aqui que temos direito a desbloquear várias armas, que têm tanto de imponentes como de destrutivas – podendo até derrubar portas e abrir áreas dos mapas anteriormente inacessíveis. Além disso, há inúmeras missões secundárias que existem sobretudo para nos fazer ganhar experiência e explorar os vários bairros de Paris.

A Machine Games contou com a colaboração da Arkane Studios na criação de Wolfenstein: Youngblood e isso nota-se na edificação dos mapas. A Arkane assina as séries Dishonored e Prey, ambas montras de áreas de jogo ricas em detalhes, com uma linguagem de design que é um excelente veículo para a ilusão presencial. Aqui, os mapas são ricos em conteúdo e têm uma plasticidade irrepreensível, porém, dado o esquema das missões, ao fim de algumas horas sente-se a repetição – uma vez que há muitos trechos comuns a várias missões.

Tudo é industrial em tons cinzentos com apontamentos encarnados. É uma opressão visível na forma como os diferentes quarteirões estão separados com enormes muros. O design permite várias abordagens, ainda mais se tiverem a habilidade, o talento e a sorte para serem furtivos. Quando avistados, há o soar de um alarme desmoralizador, uma inundação de vários tipos de inimigos, desde super-soldados a cães, passando por colossos, generais, cientistas e irritantes drones.

Com o passar do tempo, o factor novidade esgota-se e, graças à edificação dos mapas tanto na horizontal como na vertical, há algumas secções que são mais confusas e que levam a várias tentativas até encontrar o caminho correcto.

No departamento técnico fica ainda a menção da sonoplastia, onde se destaca a vocalização. Por um lado, temos tiradas que nos relembram que Jess e Soph são ainda adolescentes, brincando com tudo e com todos. Por outro, temos as vozes em linhas de diálogo usando parcialmente o francês e o alemão, o que de facto torna Youngblood mais autêntico.

Sendo um jogo de atirador na primeira pessoa, o apontamento final é para a componente da jogabilidade que alimenta os confrontos com os inimigos. Extremamente violento e gráfico, Youngblood está classificado para maiores de dezoito anos por um motivo. As armas, desde pistolas a lasers, passando por metralhadoras, facas e machados, dão a quem joga um feedback responsivo.

Para tornar o jogo mais exigente, na recta final são confrontos com inimigos e mais inimigos. Há momentos em que o chão quase deixa de ser visível, tantos são os corpos tombados. Isto pode ser frustrante e cansativo, obrigando o jogador a ser ágil na forma como ataca estas situações, verificando todos os flancos, gerindo a sua energia enquanto tenta não perder a sua irmã de vista. E, finalmente, um boss final escusadamente dividido em mais do que uma fase. Está a um passo de passar de épico e de culminação a desgastante, tamanha foi a duração do confronto.

Wolfenstein: Youngblood não consegue estar no mesmo patamar de excelência das obras que o antecederam. Isto tornar-se-á um dissabor ainda maior para os jogadores que não compreenderem que não estamos perante Wolfenstein 3, mas sim ante um spin off. A colaboração entre jogadores e a estética detalhada de Paris são os pontos mais fortes de uma proposta que precisava de uma história melhor e de um esquema de missões mais directo e diversificado para continuar uma linhagem carismática.

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