Governo anuncia 131 milhões para integração dos sem-abrigo. Associações lembram que estratégia corre “a várias velocidades”

Novo plano de acção 2019-2020 prevê a criação de “gestores de caso” para todas as pessoas em situação de sem-abrigo, a par da formação dos profissionais de saúde que intervêm junto desta população.

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Lisboa soma cerca de 2470 pessoas em situação de sem-abrigo, segundo levantamento mais recente Daniel Rocha

O Governo promete investir 131 milhões de euros na integração dos sem-abrigo até ao final do próximo ano. O Plano de Acção 2019-2020, aprovado esta quinta-feira, prevê a atribuição de um “gestor de caso” a cada pessoa em situação de sem-abrigo até ao final do próximo ano, a par do reforço das medidas de realojamento, num trabalho a desenvolver em conjunto com os municípios.

Outro dos propósitos contidos no novo plano de acção é a promoção de acções de formação dirigidas aos profissionais de saúde que intervêm junto desta população, em contexto de emergência hospitalar e cuidados de saúde primários e de saúde mental. “É uma medida muito necessária e que deveria alargar-se aos profissionais que estão nos balcões [dos serviços de saúde], que é onde começam as barreiras de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, desde logo porque as pessoas em situação de sem abrigo, não tendo morada, não conseguem inscrever-se num centro de saúde”, aplaude Duarte Paiva, coordenador geral da Associação Conversa Amiga (ACA) que apoia dezenas de pessoas sem tecto em Lisboa e no Funchal.

Quanto aos princípios, nada a opor. A dúvida do coordenador da ACA é a que ponto será o Governo capaz de levar a nova estratégia a todos os pontos do país, por um lado, e garantir uma equitativa distribuição dos recursos pelas diferentes instituições que trabalham junto dos sem-abrigo, por outro. “A estratégia actual [em que se enquadra este novo quadro de acção] tem pecado por não ter sido realmente assumida em todo o lado. O país corre a várias velocidades, não só na implementação, mas no conhecimento da própria estratégia. Há organizações ou comunidades locais que nem sequer têm conhecimento desta estratégia” apontou, para lembrar que a ACA, que gere dezenas de cacifos em ambiente de rua, acessíveis 24 horas por dia para que pessoas sem casa guardem os seus pertences, além de um “quiosque da saúde”, vocacionado também para o atendimento destes cidadãos, “não beneficia do orçamento" governamental. 

O “quiosque da saúde” do Cais do Sodré, em Lisboa, onde o último levantamento dá conta de 2470 pessoas sem-abrigo, das quais 361 a viver na rua e as restantes 1967 em centros de acolhimento, chegou, aliás, a fechar, por falta de recursos, preparando-se agora para reabrir, numa altura em que a Câmara de Lisboa aprovou um novo plano municipal para a integração dos sem-abrigo.

Dizendo-se satisfeito com o anúncio do reforço da dotação financeira para a integração dos sem-abrigo, o director da associação Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA), Nuno Jardim, também considera que “será importante garantir uma melhor partilha dos recursos” entre as diferentes instituições que operam no terreno”.

Acabaram as “duplicações"

No balanço ao anterior plano, que vigorou entre 2017 e 2018, o Governo garante ter conseguido designar um interlocutor local do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para as pessoas em situação de sem abrigo, garantindo que, naquele período, foram referenciadas para alojamento social de emergência 1452 pessoas em situação de sem abrigo. Do mesmo modo, quase metade (49%) das pessoas sem abrigo inscritas nos centros de emprego foram integradas em medidas de emprego e formação. O plano, que teve uma execução financeira de 82,3 milhões, permitiu ainda assegurar 32 atendimentos a imigrantes em situação de sem abrigo.

Para este ano e para o próximo, o plano aprovado pela Comissão Interministerial da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo (ENIPSSA) para 2017-2023 prevê a promoção de projectos de formação para a reinserção profissional dos sem-abrigo, além do desenvolvimento de um projecto de mil horas de formação em quatro das escolas da Rede de Escolas de Hotelaria e Turismo (Lisboa, Porto, Coimbra e Faro).

A ENIPSA foi aprovada em Maio de 2017, depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se ter esforçado por catapultar o problema dos sem-abrigo para a agenda mediática. Deste então, quer o coordenador da ACA quer o director do CASA reconhecem que foram feitos avanços. “Os resultados já são visíveis, nomeadamente pela possibilidade que trouxe de uma melhor identificação das pessoas em situação de sem abrigo”, avalia Nuno Jardim. “Alguns dos ganhos mais importantes”, segundo Duarte Paiva, “foram a criação dos Nipsa[Núcleo de Planeamento e Intervenção sem-Abrigo] e a criação da figura do ‘gestor de caso’ que permitiu acabar com as duplicações entre as diferentes organizações, cujo trabalho passou a estar mais articulado”.

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