EUA preocupados com possível intervenção militar chinesa em Hong Kong

Washington voltou a apoiar as “preocupações legítimas dos manifestantes” sobre o crescente controlo de Pequim na região. Manifestantes continuam nas ruas.

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Manifestantes no aeroporto de Hong Kong, com cartazes alusivos à agressão de grupos da máfia, em que a polícia nada fez Edgar Su/REUTERS

Cerca de um milhar de manifestantes pela democracia ocuparam o hall de chegadas do aeroporto de Hong Kong esta manhã, alguns deles a gritar “Hong Kong livre”, depois de os Estados Unidos manifestarem a sua “preocupação” com a possibilidade de a China ordenar à guarnição do Exército de Libertação Popular presente no território que reponha a ordem e voltou a apoiar as “preocupações legítimas dos manifestantes”. Desagradada, Pequim esgrimiu a acusação de Washington estar por trás dos protestos.

“Apelamos a Pequim para que mantenha os compromissos da Declaração Conjunta Sino-Britânica e da Lei Básica para permitir que Hong Kong tenha um elevado grau de autonomia”, disse uma porta-voz do Departamento de Estado ao jornal South China Morning Post. Pouco antes, Washington tinha apoiado as “preocupações legítimas dos manifestantes sobre a erosão da autonomia região”, governada desde 1997 sob o princípio “um país, dois sistemas”.

As declarações norte-americanas foram uma resposta à hipótese, deixada implícita por um porta-voz do Ministério da Defesa chinês, de Pequim intervir militarmente se a chefe do Governo da região administrativa especial, Carrie Lam, lho pedir.

A acontecer, seria a primeira vez que a guarnição chinesa na antiga colónia britânica receberia ordens para repor a ordem pública e fá-lo-ia dentro da legalidade, pois o artigo 14.º da Lei Básica de Hong Kong estipula: “O governo da região administrativa especial de Hong Kong pode, se necessário, pedir ao Governo Central assistência da guarnição para a manutenção da ordem pública e ajuda em situações de desastre”. Mas da legalidade à política vai um pequeno grande passo. 

O levantar desta hipótese é uma mudança subtil, mas significativa, do posicionamento chinês sobre os protestos que há oito semanas abalam as ruas de Hong Kong. Pequim sempre garantiu não querer dispor da guarnição, todavia, agora, já põe essa possibilidade em cima da mesa, mesmo que implicitamente – o ponto de viragem terá sido o cerco ao seu gabinete de ligação, no domingo passado

Os protestos começaram há oito semanas contra uma proposta de lei de extradição para o continente, entretanto suspensa, e evoluíram para contestação generalizada contra o governo de Lam, vista pelos manifestantes como representante dos interesses de Pequim na região, e à influência chinesa. Houve tentativas de invasão do edifício do governo, o Parlamento chegou mesmo a sê-lo e, no domingo passado, o gabinete de ligação chinês foi cercado e o edifício vandalizado - algo que para Pequim pode ter representado um ponto de ruptura.

Apesar das ameaças, as manifestações não cessam, e ganharam o carácter de protestos pró-democracia. Cerca de metade do hall de chegada do aeroporto ficou cheio de manifestantes esta manhã, relata a Reuters, e para sábado está marcado novo protesto - que não tem autorização da polícia para se realizar. Apesar do receio de novos confrontos com grupos de máfia chinesa, como aconteceu esta semana, é, ainda assim, esperada uma grande afluência.

Receio de novo Tiannanmen

Os líderes chineses têm evitado intervir directamente na crise política, optando por, à distância, orientar o Governo de Lam, e o uso da força era até agora afastado por causa dos elevados custos políticos que acarretaria para o controlo futuro de Hong Kong e para a imagem chinesa no mundo – a repressão na Praça de Tiannamen, em 1989, e a consequente condenação internacional ainda ressoam na memória chinesa.

“Se o Exército de Libertação Popular tomar conta da situação em Hong Kong e reprimida os protestos, o que se seguirá?”, perguntou Hu Xijin, director do tablóide nacionalista chinês Global Times, numa rede social chinesa, sublinhando que tal opção traria “imensa incerteza” a toda a situação.

Uma situação que certamente faria a crise política extravasar as fronteiras da região para a escala mundial, além de ser uma vitória simbólica para os manifestantes. O Reino Unido iria certamente endurecer as suas críticas por ser o antigo colono e os Estados Unidos podiam escalar ao passar da condenação verbal para actos concretos com a mudança do estatuto internacional de Hong Kong, incluindo-a na guerra comercial com a China.

A região tem sido poupada às retaliações económicas norte-americanas – taxas e proibições de exportação – devido ao seu estatuto de relativa autonomia com a política de “um país, dois sistemas”, e por causa da sua importância como centro financeiro mundial.

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