O que mudou no programa Golden Visa: as pessoas e os números

A potencialidade deste programa acaba por esbarrar naquilo que é tão característico em Portugal: a burocracia e os tempos de espera.

Como forma de atrair investimento estrangeiro para Portugal e na calha do que já se encontrava a ser efectuado em outros países da União Europeia, o Governo português criou, em Agosto de 2012, um novo regime para a concessão de Autorizações de Residência para Investimento (os denominados “Golden Visa) a cidadãos nacionais de países não pertencentes à União Europeia, dispostos a investir em Portugal como meio para obterem uma autorização de residência, primeiramente, e, após cinco anos, a possibilidade de solicitarem a nacionalidade portuguesa.

Como é consabido, o referido regime de entrada e permanência em território português possibilita aos cidadãos nacionais de países terceiros a obtenção de uma Autorização de Residência em Portugal desde que os mesmos efectuem e mantenham, pelo menos durante cinco anos, uma das actividades de investimento previstas na Lei. Tendo por base este enquadramento geral e passados que foram quase sete anos da data em que este programa entrou em vigor, várias questões se impõem, nomeadamente: quais as vantagens reais deste programa? Por que motivo o número de Investidores tem vindo a decrescer? Que é feito do nosso sector imobiliário? Que tipo de pessoas estamos nós a “importar”?

No respeitante à primeira das questões acima mencionadas, actualmente e atenta a existência de outros programas semelhantes em outros países europeus, Portugal possui dos regimes mais “duros” em termos de requisitos de investimento e temporais para que os Investidores possam almejar alcançar a nacionalidade portuguesa – diga-se, aliás, que muitas dúvidas existem se, de facto, findos os referidos cinco anos, os Investidores possam, de facto, solicitar nacionalidade portuguesa, mesmo preenchendo os requisitos legais para o efeito.

A verdade é que a burocracia e a dificuldade inerente aos valores e tipos de investimento exigidos faz com que o programa “Golden Visa” português seja dos menos vantajosos em termos europeus. Acresce, ainda, o facto de muitas questões sobre este programa continuarem sem resposta, como por exemplo: quais os direitos adquiridos pelos Investidores em território nacional? Que direitos terão os mesmos num contexto europeu? Será que poderão, por exemplo, estudar num outro país da União Europeia? Todos estes pontos de interrogação e os motivos acima referidos transformaram um programa cheio de potencialidade num fantasma assustador e burocrático, que afugenta quem dele pudesse querer usufruir.

Ora, e chegados a este ponto, damos com a segunda das questões acima mencionadas, ou seja: por que motivo o número de Investidores tem vindo a decrescer?

De acordo com as últimas informações publicadas sobre os pedidos de Golden Visa efectuados no primeiro semestre de 2019, o número de pedidos decaiu 26% em relação a período homólogo no ano passado... A questão é saber os motivos que se encontram por trás de tal decréscimo.

De acordo com informações obtidas junto de potenciais investidores – a sua maioria de nacionalidade Iraniana e paquistanesa –, a vontade de investir em Portugal (país com o qual a maioria sente uma imensa afinidade) termina quando se apercebem que após investirem, no mínimo, €500.000,00 (quinhentos mil euros) num imóvel, têm de esperar cerca de dez meses para verem o seu pedido inicial analisado e deferido.

Mais: como se esta delonga não fosse já exasperante para os mesmos, ainda se vêem obrigados a esperar mais um mês, após pagarem cerca de €5300,00 (cinco mil e trezentos euros) por cada cartão, para verem o mesmo emitido pela Casa da Moeda... compreensível que se coloquem inúmeras dúvidas em investir em Portugal quando “aqui ao lado”, na nossa vizinha Espanha, os pedidos são analisados em um mês, findo o qual terão acesso ao respectivo cartão, ou como em Malta, em que o investimento atribui acesso quase imediato à cidadania maltesa.

A verdade é que a potencialidade deste programa acaba por esbarrar naquilo que é tão característico em Portugal: a burocracia e os tempos de espera.

E como se todo este tempo não fosse já desesperante, os Investidores ainda enfrentam dificuldades para obterem as legalizações de documentos, junto dos consulados portugueses nos respectivos países de origem, porquanto os mesmos ou não respondem às solicitações, ou demoram meses a entregar a documentação autenticada ou se encontram, em alguns casos, encerrados por tempo indeterminado – como é o caso dos consulados portugueses no Paquistão, que se encontram encerrados desde Julho do ano passado. 

Esta realidade é, aliás, perceptível através dos números publicados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que referem que entre 1 de Janeiro e 31 de Junho de 2019 foram concedidas 621 Autorizações de Residência aos Investidores e 1059 aos respectivos familiares, números inferiores aos existentes em igual período no ano passado.

Chagamos, assim, àquela que tem sido a questão mais discutida no âmbito deste programa, ou seja, o que é feito do nosso sector imobiliário e para onde caminha o mesmo. De acordo com as informações que se encontram publicadas no site oficial do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, desde 2012 e até à presente data foram efectuados investimentos imobiliários no montante total de €4.179.555.493,41 – sendo que o total do investimento efectuado, independentemente do tipo, foi de €4.622.042.687,16. Ora, conforme se intuirá pelo exposto, não obstante existirem diversos tipos de actividades de investimento elegíveis para efeitos de “Golden Visa”, a verdade é que a maior parte dos investidores opta pela aquisição de bens imóveis para concluir a sua actividade de investimento. A este propósito, diga-se que das 7583 autorizações de residência que foram concedidas até 31 de Junho de 2019, 7150 foram-no por via da aquisição de bens imóveis, 417 através da transferência de capitais e apenas 16 através da criação de dez ou mais postos de trabalho. Assim, apenas 16 investidores aplicaram os seus capitais de forma a gerar a riqueza que se pretendia gerar para Portugal com a introdução deste programa, ou seja: a constituição de sociedades comerciais, com a contratação de trabalhadores portugueses (ou com autorização de residência em Portugal) e com o pagamento dos impostos a que se encontram obrigados.

Todos os restantes investidores, apenas de uma forma indirecta, contribuíram para o erário público através do pagamento do IMT e do Imposto de Selo associado à aquisição dos bens imóveis. E foi, conforme acima referido, precisamente no mercado imobiliário que mais se sentiram os efeitos do programa “Golden Visa”, senão vejamos: conforme todos nos recordamos, em 2008 as economias mundiais mergulharam naquela que ficaria conhecida como a “Grande Recessão”. De acordo com as informações publicadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o mercado imobiliário, impulsionado pela crise dos empréstimos subprime, havia sofrido um corte de 10% no valor dos imóveis em termos de média – esta foi a realidade com que vivemos até 2012.

Contudo, a partir de 2012 (ano de “criação” do programa), a situação começou a alterar-se e o mercado imobiliário e de reabilitação urbana passou a adoptar uma curva ascendente. Um dos principais motivos para tal foi precisamente a entrada em vigor do programa “Golden Visa” e o facto de uma das principais actividades de investimento passíveis de serem utilizadas ser, precisamente, a aquisição de imóveis. Atento o acima referido, e de acordo com os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, 2014 ficou marcado pela recuperação dos preços das casas, tendo os imóveis no final do referido ano ficado mais caros do que se encontravam no início do mesmo.

Já em 2015, o mercado imobiliário ganhou novo fôlego, tendo entre Janeiro e Março o total de imóveis transaccionados registado a maior variação desde 2010. Não obstante este crescimento ser benéfico para o país, a realidade é que grande parte dos imóveis adquiridos pelos Investidores de “Golden Visa” sofreu um “over pricing”, por forma a torná-los elegíveis para efeitos de submissão dos pedidos.

Este “over pricing” do mercado imobiliário trará, a longo prazo, consequências perigosas, nomeadamente, através do surgimento de uma “bolha imobiliária”, porquanto: 1) O aumento da procura de imóveis levou à consequente subida do preço dos mesmos; 2) Aumenta, em consequência, o número de investidores que adquirem imóveis para, de alguma forma, lucrar com os mesmos; 3) Como consequência, os preços sobem ainda mais, afastando possíveis compradores, passando os mesmos a considerar a possibilidade de arrendar imóveis, em vez de os comprar; 4) Os preços dos arrendamentos disparam, atenta a forte procura deste tipo de negócio; 5) Consequentemente, o preço dos imóveis começa a baixar atenta a diminuição da procura; e 6) Há um decréscimo ainda maior dos preços dos imóveis, pois os investidores começam a tentar vender os imóveis que adquiriram com a máxima urgência – pelas razões acima mencionadas e até porque, entretanto, o prazo de cinco anos terminou e podem avançar com os pedidos de nacionalidade portuguesa (será que poderão?). Atento o exposto, e apesar de hoje os investidores “Golden Visa” continuarem a ser vistos como a “bóia de salvação” deste sector, a verdade é que a médio/longo prazo, tudo leva a crer que caminhamos a passos largos para uma nova “bolha imobiliária”, com as consequências tão bem conhecidas por todos nós.

Finalmente, no respeitante à última das questões colocadas, ou seja, que tipo de pessoas estamos nós a trazer para Portugal com este programa, de acordo com as últimas estatísticas publicadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 4291 são de nacionalidade chinesa, 764 brasileiros, 347 turcos, 299 sul-africanos e 263 russos. Até à corrente semana Portugal nunca levantou qualquer questão relativamente à nacionalidade dos requerentes deste programa, mas a verdade é que, tendo em consideração as últimas declarações de Augusto Santos Silva, parece que essa posição irá mudar: de acordo com as referidas declarações, os vistos para cidadãos iranianos encontram-se suspensos, sem contudo se perceber se estamos a falar de uma suspensão, apenas, dos vistos de curta duração ou se também dos “Golden Visa”. A verdade é que esta “suspensão” levanta inúmeras questões sobre todos aqueles investidores de nacionalidade iraniana que já procederam à aquisição de imóveis, por exemplo, e que têm pendente o processo junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras... Irá o Estado Português responsabilizar-se pelos prejuízos sofridos por estes cidadãos estrangeiros e pela frustração das suas expectativas? Volvidos que foram quase sete anos sob a entrada em vigor deste programa, cada vez se levanta mais a questão: qual será o prazo de validade do mesmo?

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