Um retrato cubista para a arquitectura portuguesa

Jorge Figueira e Bruno Gil coordenam o projecto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que, até 2021, quer fazer um retrato da história, da contemporaneidade e das perspectivas futuras da arquitectura portuguesa na Europa e no mundo.

Piscina das Marés, em Leça da Palmeira
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Piscina das Marés, em Leça da Palmeira Adriano Miranda
Jorge Figueira
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Jorge Figueira Paulo Pimenta

O que é a arquitectura portuguesa, fora da sua moldura mais divulgada e celebrada, tanto em Portugal como lá fora? É a esta questão que quer responder o projecto (EU)ROPA: Rise of Portuguese Architecture, uma iniciativa do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC) que já está em curso, e que foi apresentada publicamente ao final da tarde desta terça-feira no Porto, na Fundação Instituto Marques da Silva (FIMS), parceira do projecto.

Jorge Figueira, arquitecto, professor e investigador do CES (e crítico do PÚBLICO), partilha com Bruno Gil, também professor e investigador deste centro da UC, a coordenação do projecto, que reúne perto de duas dezenas de investigadores de diferentes áreas de trabalho nos domínios da arquitectura, e tem como consultores figuras como Alexandre Alves Costa, Eduardo Souto de Moura ou o director do Centro Canadiano de Arquitectura, em Montréal, Mirko Zardini.

“A certa altura, o entendimento daquilo que é a arquitectura portuguesa tem sido feito pelos outros, a partir dos críticos internacionais, como Kenneth Frampton ou os italianos”, disse ao PÚBLICO Jorge Figueira, no final da sessão na FIMS, apresentando (EU)ROPA: Rise of Portuguese Architecture como “uma resposta da academia, da investigação portuguesa, no sentido de uma afirmação que não entende a arquitectura portuguesa como algo emoldurado, fechado, acabado e bem composto”. Pelo contrário, a arquitectura portuguesa, na sua história, na sua contemporaneidade e nas perspectivas de futuro é “uma criatura complexa”, que o colectivo de investigadores do CES quer agora analisar numa espécie de retrato cubista deste objecto.

“O projecto tem uma componente de construção do mito, mas também de demolição do mito. Há uma genealogia e uma explicação dos fundamentos, mas também uma componente crítica. Queremos observar, hoje, se há uma resiliência e se há um futuro para a arquitectura portuguesa” – acrescenta Jorge Figueira –, e “confrontar a sua história, ideias e métodos, com um mundo em transformação”.

Na sessão na FIMS, foram enunciadas as onze questões (“What?”, na inventariação de um projecto que aposta também na internacionalização) a que os diferentes investigadores vão tentar dar resposta. São questões como a portugalidade, a história, o fascismo, o colonialismo, o social, a educação, a investigação, a cultura pop, o feminismo, etc. – cada uma delas tendo sido apresentada numa curta intervenção pelos investigadores respectivos, alguns deles a trabalhar em parceria com outros estudiosos desses temas.

Ainda que esta inquirição remonte às origens da nacionalidade e da portugalidade na arquitectura e na forma como ela se foi expressando através dos séculos e de estilos – o românico, o gótico, o renascença, o modernismo… –, a baliza temporal da pesquisa estará entre 1966 – “é o ano da inauguração da Piscina das Marés em Leça da Palmeira, de Álvaro Siza”, nota Figueira – e 2016, ano de apresentação do projecto do CES à Fundação Ciência e Tecnologia (FCT), sua principal financiadora.

“Mas estamos sempre a voltar atrás, ao Estado Novo, por exemplo, porque é no Estado Novo que a ideia da arquitectura portuguesa se imprime com este sentido nacionalista que nós queremos resgatar, antes que alguém pegue nele”, diz o investigador e crítico, lembrando a recente afirmação de Timothy Garton Ash em entrevista ao PÚBLICO: “Não podemos deixar a nação para os populistas”. “O Estado Novo, os anos 30 e 40 estão sempre a chamar-nos, há essa componente nacionalista da arquitectura portuguesa, que é inevitável discutir e confrontar”, realça Jorge Figueira, que, de resto, iniciou a apresentação do projecto na FIMS lembrando Cottinelli Telmo, o arquitecto que foi tanto o realizador do celebrado filme A Canção de Lisboa (1933), como o coordenador da Exposição do Mundo Português (1940) e um dos animadores do 1.º Congresso Nacional dos Arquitectos (1948).

(EU)ROPA: Rise of Portuguese Architecture é um trabalho para concluir no ano lectivo 2020/21, num programa que tem três objectivos fundamentais: mapear os fundamentos da arquitectura portuguesa; criar uma base de dados, onde os resultados das investigações irão sendo apresentados; e criar uma rede de jovens investigadores por toda a Europa, com a realização de workshops temáticos segundo um calendário ainda a estabelecer.

No final, os coordenadores do projecto propõem-se organizar uma exposição e um congresso – em local e data ainda a definir – para a apresentação dos trabalhos, que serão ainda retratados num conjunto de filmes documentais e registados numa sucessão de fascículos temáticos, que deverão também dar origem a uma súmula em versão inglesa.

Além da FIMS, o desenvolvimento deste projecto conta com o apoio da Casa da Arquitectura, em Matosinhos, e da Fundação de Serralves, onde no próximo mês de Dezembro terá lugar um colóquio sobre a relação da obra de Siza com a Europa, associado à exposição Álvaro Siza – (In)disciplina, que decorrerá de 19 de Setembro a 5 de Janeiro de 2020, com curadoria de Nuno Grande e Carles Muro.

Notícia corrigida: Alexandre Alves Costa é um dos vários consultores do projecto.

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