Um Conselho da Europa comprometido

Esta absurda resolução para alegadamente “Reforçar o processo de tomada de decisão da Assembleia Parlamentar relativamente às credenciais e às votações” é uma concessão inaceitável à Federação Russa.

O Conselho da Europa retornou o direito de voto à delegação russa, por uma questão de contribuição monetária da Rússia e sob o pretexto da luta pelo direito dos russos comuns a se dirigirem ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cujas decisões não são cumpridas pela Rússia.

Agora, nas sessões da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE), será possível dar voz às mentiras e manipulações dos propagandistas russos, lacerando profundamente os princípios da democracia e dos direitos humanos.

Na noite de 25 de junho, a APCE apoiou uma resolução que altera o mecanismo de sanções. O mesmo documento convida a Rússia a retornar ao trabalho na Assembleia sem restrições ao direito de voto. 118 deputados votaram a favor, 62 votaram contra e dez abstiveram-se. Antes disso, a APCE rejeitou mais de 200 emendas, que foram preparadas pela delegação ucraniana para impedir o retorno da delegação russa.

Esta absurda resolução para alegadamente “Reforçar o processo de tomada de decisão da Assembleia Parlamentar relativamente às credenciais e às votações” é uma concessão inaceitável à Federação Russa, que, desde 2014, tem realizado uma agressão armada contra a Ucrânia, violando grosseiramente as normas e os princípios do Direito Internacional, incluindo o Estatuto do Conselho da Europa. Sendo Portugal um país que tem apoiado constantemente a Ucrânia, é triste constatar que três dos nove deputados da delegação portuguesa à APCE votaram a favor desta mesma resolução.

Note-se que o enfraquecimento essencial do mecanismo de sanções da APCE, previsto pela referida resolução, aconteceu sem quaisquer passos construtivos da parte da Rússia, mas, sim, com o incumprimento flagrante dos compromissos assumidos por este país, incluindo as próprias resoluções da APCE aprovadas em resposta à agressão russa.

Assim, esta decisão da APCE é uma evidência do afastamento dos padrões, dos princípios e dos valores do Conselho da Europa em resultado da pressão sem precedentes e da chantagem financeira por parte da Federação Russa. Infelizmente, isto aconteceu devido à franca simpatia de vários países cuja liderança, por um lado, enfatiza a necessidade de parar a agressão russa contra a Ucrânia, mas, por outro, encoraja o agressor, fazendo concessões.

Ao privar-se da possibilidade de aplicar sanções mais eficazes, a Assembleia Parlamentar debilitou consideravelmente o seu papel na política europeia contemporânea e, consequentemente, a sua capacidade de defender efetivamente o Estado de Direito, os Direitos Humanos e a Democracia em todos os Estados-membros do Conselho da Europa, e também na Federação Russa.

É com pesar que, numa altura em que o Conselho da Europa assinala o seu 70.º aniversário, se observa que a sua Assembleia Parlamentar perdeu a sua credibilidade, e que esta organização já não pode desempenhar devidamente o papel que lhe foi atribuído pelos seus fundadores.

Testemunhámos, com esta resolução, uma derrota do parlamentarismo europeu; contudo, por outro lado, assistimos à vitória moral dos países que não apoiaram tais decisões destrutivas no Conselho da Europa. Trata-se dos países que, na sua história recente, foram ocupados pela URSS, ou que, hoje, estão a sofrer na pele as atrocidades cometidas pelas autoridades russas de ocupação, as quais continuam a disseminar a agressão nestes países e a provocar a morte de cidadãos inocentes. Estes mesmos países merecem ser considerados verdadeiros defensores dos valores daquela Europa à qual pertence a Ucrânia.

O Conselho da Europa está definitivamente a passar por uma das mais graves crises da sua história. Esta crise foi causada por problemas sistémicos, que começaram nos anos 90 e culminaram no completo descrédito de um dos seus órgãos mais importantes – a Assembleia Parlamentar.

Esta decisão, que permite que a Rússia volte à APCE, permitirá também à Rússia realizar uma assembleia com, pelo menos, quatro deputados sancionados. Estes serão capazes de contornar as restrições impostas na UE por causa da agressão da Rússia no leste da Ucrânia, desvalorizando a vida humana e todos os princípios morais.

De facto, dezenas de milhares de mortes e centenas de milhares de vidas destruídas no Donbas, a anexação ilegal da Crimeia, a violação dos Direitos Humanos, o total desrespeito pela Lei Internacional – tudo isto pode ser esquecido em troca de acordos temporários? Não, não pode haver compromisso.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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