Generosidade de ricos num país de remediados

Mais do que promessas ocas, o país precisa de uma linha de rumo que nos afaste ainda mais dos tempos sombrios do passado recente.

Na mesma altura em que o PÚBLICO noticiou o fecho rotativo das urgências de obstetrícia em quatro hospitais da capital, o Parlamento aprovou, com o voto contra do CDS, o fim das taxas moderadoras nos centros de saúde. Qualquer cidadão minimamente preocupado com o estado dos serviços públicos pôde ver a forma clara como a irresponsabilidade e o eleitoralismo começam a tomar de assalto a agenda dos partidos. Toda a gente pôde ver como, em vez de se empenharem em acudir aos males do Serviço Nacional de Saúde, os partidos se dedicaram a passar a imagem de que, com eles no Governo, o país deixa de ser o que é na realidade para se transformar num oásis onde os problemas são varridos para debaixo do tapete da propaganda.

Se o PS recuou no fim das taxas moderadoras (e sentiu a necessidade de precisar que a folga dada aos pais para acompanharem os seus filhos no primeiro dia de aulas se resume a três horas) é porque percebeu que tem de optar entre ser o partido da responsabilidade financeira e o partido que, à custa dela, ameaça a eficiência e a qualidade dos serviços públicos. Mantendo o discurso da cautela financeira, o PS poderá sempre ter a seu favor a causa de uma opção que, como todas as opções, tem custos. Entrando no campo do Bloco e do PCP, os socialistas perderiam a sua principal bandeira e começariam a ser alvos ainda mais fáceis da​ inacreditável crise dos hospitais.

Preparemo-nos para o que aí vem. O risco de o país repetir os erros que o levaram ao resgate está contido, mas existe. Perder a receita de 160 ou 170 milhões de euros que os cidadãos com mais recursos deixariam de pagar em taxas moderadoras (os mais pobres e os doentes crónicos estão, e bem, isentos) é um daqueles disparates tão irrazoáveis que nem o faseamento agora proposto consegue apagar. Com o PSD tonto entre a procura de ser um siamês do PS e o absoluto desprezo pela sua matriz liberal, o PS luta para situar a sua posição centrista e responsável entre a sedução do​ discurso fácil do Bloco e o PCP. Eles não perceberam que nós percebemos que essa ideia de dar o que não se tem faz parte de um passado que ninguém quer repetir. Mais do que promessas ocas, o país precisa de uma linha de rumo que nos afaste ainda mais dos tempos sombrios do passado recente. Não precisa de promessas irrealistas que restaurem o facilitismo que os causou.

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