Os Kitchen Dates vão ter uma nova casa que é um restaurante sem caixote do lixo

Maria e Rui resolveram elevar o seu projecto a um novo patamar. Os Kitchen Dates vão mudar de casa e estão mais preocupados com a pegada ecológica dos alimentos. No futuro espaço, em Telheiras, não existe caixote do lixo. Tudo é aproveitado.

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O novo espaço dos Kitchen Dates abrirá em Setembro em Telheiras Kitchen Dates

É na sala improvisada da sua casa no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, que Maria e Rui têm servido experiências gastronómicas em que todos os ingredientes são de origem vegetal. Mas os brunches e os jantares confeccionados pelo casal que dá o rosto, e a casa, aos Kitchen Dates terão uma nova morada a partir de Setembro, onde poderão ser saboreados por todos aqueles que queiram provar alimentos sazonais e biológicos, oriundos de produtores locais.

Maria Antunes e Rui Catalão são idealistas. E se existisse em Portugal um restaurante sem caixote do lixo? Foi da preocupação em reduzir o desperdício que surgiu a ideia de criar um espaço como este, que será tratado como uma extensão da casa.

O novo espaço, que deverá abrir ao público depois do Verão, em Telheiras, não se assume como o típico restaurante. Na verdade, continuará a funcionar nos mesmos moldes do projecto que existe há dois anos e que começou num apartamento, em Amesterdão, na Holanda. “Vamos privilegiar o tipo de eventos que já organizamos. Tanto os brunches como os jantares. Reserva-se previamente e usufrui-se da experiência”, dizem, ao telefone com o P3.

Em breve, estará disponível no site um calendário que permitirá efectuar reservas, para gáudio das muitas pessoas que nunca chegaram a tempo de marcar lugar. Talvez o consigam no novo espaço, sem complicações. Para já está a decorrer uma campanha de angariação de fundos para quem quiser contribuir para a ideia (mas já lá vamos). 

Com a mudança para um espaço maior, mas ainda assim com uma lotação máxima de cerca de 20 pessoas, há também uma novidade. Uma vez por semana, os Kitchen Dates terão as portas abertas a todos os interessados em conhecer o mundo da alimentação sustentável e preocupada com a pegada ecológica dos ingredientes. “Não aceitamos reserva e qualquer pessoa pode aparecer”, explica Rui. “Será uma janela para que as pessoas possam experimentar a nossa comida e ter um primeiro contacto com o nosso conceito.”

Tudo por “uma pegada ecológica inferior”

Mas como surgiu a ideia de criar o primeiro restaurante do país sem lixo? Há bastante tempo que Maria e Rui se aperceberam que têm vindo a reduzir o desperdício. “Olhamos para o nosso caixote do lixo e, na verdade, a única coisa que encontramos é matéria orgânica”, diz Rui. E “há muito” que falavam da “hipótese” de levar o projecto “para o patamar seguinte”. 

Decidiram fazê-lo ao “renegar qualquer produto ou compra” que os leve a produzir lixo no restaurante. Uma decisão que tem levado a que trabalhem cada vez mais com produtores locais e fornecedores alinhados com os seus valores. “A ideia de ter uma operação completamente sem desperdício tornou-se uma prioridade para nós”, afirmam. “Sentimos que temos a responsabilidade de dar o exemplo e de mostrar às pessoas que é possível.” E esperam que outros lhes sigam as pisadas.

Estão ainda preocupados com “a pegada ecológica de cada um dos ingredientes” com que trabalham. Assim sendo, alguns dos alimentos que utilizam na elaboração dos pratos vão ser substituídos por outros que impliquem um menor impacto no ambiente. “Caminhamos cada vez mais para uma pegada ecológica inferior”, sublinha Rui.

Por exemplo, no caso do semi-curado de caju, estão a testar alternativas com amêndoa, que há em abundância em Portugal. “Não é preciso ir buscar o caju que vem de tão longe”, evidencia. O mesmo se aplica às tâmaras, que o casal utiliza sobretudo para adoçar alguns pratos. “Estamos a trabalhar para começarmos a utilizar cada vez mais frutos secos, damascos e ameixas. Sabemos que existem alternativas em Portugal.” Café e cacau poderão nunca entrar no novo espaço — só se encontrarem “uma solução de baixo impacto ambiental”. Também as especiarias, como vêm de longe, estão barradas. Em substituição, estará a pimenta-rosa e as ervas aromáticas que abundam em Portugal.

Kitchen Dates
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Kitchen Dates

Aqui só entra o que pode ser reaproveitado

Na Europa, existem três restaurantes que já implementaram o modelo de funcionamento que Maria e Rui pretendem criar e que lhes serviram de inspiração. O Silo, em Brighton, no Reino Unido, o Nolla, em Helsínquia, Finlândia — que tem na cozinha o chef português Carlos Henriques — e o espaço mais recente, o Frea, em funcionamento há poucos meses, em Berlim. Todos têm um compostor eléctrico, um dos elementos centrais da nova morada dos Kitchen Dates. 

Este compostor, explica Rui, “transforma todo o tipo de matéria orgânica em composto num prazo de 24 horas”. Depois, esse composto “voltará para os produtores” com quem trabalham. Nesta lógica, é assim fechado um ciclo. “Estamos focados em seguir um princípio de economia circular. O produtor cultiva, traz-nos matéria-prima, nós transformamo-la e servimo-la. Todo o desperdício é transformado em composto e devolvido à terra para recomeçar o circuito.”

O mesmo se passará em relação aos materiais do espaço. A mesa, que terá capacidade de sentar perto de 20 pessoas, está a ser criada por um carpinteiro que usa sobras de madeira. Os restantes móveis vão reflectir a mesma preocupação. 

Para ajudar a financiar o investimento, foi lançada a 13 de Junho uma campanha de crowdfunding que pretende angariar dez mil euros até 12 de Julho. Até agora, Maria e Rui conseguiram reunir 65% do montante necessário, mas garantem que o custo previsto para o novo projecto é quatro vezes superior ao valor solicitado. E mesmo que o objectivo não seja alcançado, a ideia andará para a frente. 

À entrada do espaço, haverá uma despensa com os produtos criados pela dupla. Estará sempre aberta e quem quiser poderá passar por lá para comprar um dos semi-curados ou os cereais de pequeno-almoço moídos com farinha nacional. A cozinha será totalmente aberta. “Queremos ter uma proximidade entre a sala e a cozinha”, tal como acontece na primeira morada. No fundo, todo o espaço está a ser pensado para que quem lá entre “se sinta em casa”. Quanto aos produtos, só são bem recebidos aqueles que possam ter um de três fins: ser comido, reaproveitado ou então transformado em composto: “Se nenhum destes três destinos for possível, não queremos que entrem pela nossa porta.”

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