Há um novo nanotermómetro para medir a temperatura de uma célula individual

Cientistas do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga, desenvolveram uma nova ferramenta útil na investigação de tratamentos e medicamentos para o cancro.

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Células cancerosas HeLa Institutos Nacionais de Saúde dos EUA

Quando estamos doentes, uma das primeiras coisas que fazemos é medir a temperatura do corpo. Assim, conseguimos saber se temos febre ou podemos detectar alguma inflamação. O mesmo acontece com células individuais: por exemplo, as células tumorais têm uma temperatura ligeiramente mais elevada porque são mais activas. Agora, uma equipa de investigadores do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, desenvolveu uma nova ferramenta que consegue medir a temperatura interna de células individuais. Fácil de usar a nível laboratorial, este nanotermómetro será aplicado na investigação científica de medicamentos e tratamentos.

“Geralmente, as doenças partem de uma única célula defeituosa, cuja a actividade metabólica anormal pode alterar a respectiva temperatura”, lê-se num comunicado do INL sobre o trabalho publicado na revista Scientific Reports. Por exemplo, é isso que se observa em células tumorais, que normalmente têm temperaturas celulares mais altas. Desta forma, as técnicas de temperatura celular podem contribuir para identificar doenças numa fase inicial.

Já existem outros nanotermómetros para medir a temperatura das células, mas precisam de materiais mais difíceis de obter ou equipamentos de laboratório altamente especializados. Desta vez, para medir a temperatura das células, um grupo de investigadores que tem como primeiro autor Oleksandr Savchuk, do INL, usaram a proteína verde fluorescente (GFP, na sigla em inglês).

Produzida por uma pequena medusa que vive ao largo da costa Oeste da América do Norte, esta proteína causou uma revolução na biologia ao possibilitar que se visse “o invisível”, como tumores a crescer, o desenvolvimento de neurónios e proteínas a actuarem em células vivas. A descoberta e trabalho com esta proteína valeu a Osamu Shimomura, Martin Chalfie e Roger Tsien o Prémio Nobel da Química de 2008. “O que é revolucionário na GFP é que não precisa de nenhum aditivo para brilhar”, lia-se no documento do Comité do Nobel em 2008, acrescentando-se que bastava iluminar esta proteína para que ela brilhasse.

Para o novo nanotermómetro, a equipa do INL usou células cancerosas HeLade Henrietta Lacks (1920-1951), de um cancro do colo do útero que são usadas em laboratórios de todo o mundo. Primeiro, modificaram-se geneticamente essas células com um vírus de insecto para que pudessem exprimir (activar) a GFP. Depois, num microscópio confocal – que tem uma superresolução e capacidade para medir os espectros de luz –, através de um laser excitou-se a proteína, para que emitisse luz de volta.

Por fim, a fluorescência vinda da proteína fez uma curva de emissão de espectro, que permite medir a temperatura da célula. Quando essa curva se altera – o chamado “parâmetro da fracção de pico” –, a temperatura aumenta ou diminui.

No caso deste trabalho publicado na Scientific Reports, a equipa usou um reagente químico que alterou a função das mitocôndrias (organelos celulares que têm a função de produzir energia para as células) e aumentou a sua temperatura. “Ao usarmos este tipo de ferramenta [o nanotermómetro], podemos ver que as mitocôndrias aumentam muito a temperatura”, refere o biólogo Óscar Silvestre, um dos autores do artigo e que na altura deste trabalho estava no INL. Através do parâmetro da fracção de pico, viu-se então que a temperatura das mitocôndrias (que não é homogénea) aumentou, em média, cinco graus Celsius.

Já pode usar-se

“A descoberta de que o parâmetro da fracção de pico pode ser usado para medir a temperatura foi realizada numa solução simples da proteína GFP. O passo lógico, mas emocionante, foi termos conseguido aplicá-lo ao contexto das células vivas”, reforça no comunicado Oleksandr Savchuk. “Observar o mapa de calor de uma única célula é uma conquista fascinante com um rico potencial de aplicação em ciências fundamentais e médicas”, sublinha, por sua vez, para Jana Nieder, líder deste projecto.

Esta ferramenta será útil na investigação básica em laboratório. “No futuro, poderá ser usada para testar medicamentos terapêuticos anticancerígenos ou outro tipo de medicamentos”, diz Óscar Silvestre, que neste trabalho contribuiu para o manuseamento das células a nível biológico. No comunicado, os autores do artigo salientam que esperam que esta ferramenta leve a futuras descobertas em biologia celular e ciências médicas, o que pode permitir uma maior compreensão das doenças e o desenvolvimento de novas terapias.

Como esta ferramenta é simples e apenas necessita de materiais comuns nos laboratórios – como o microscópio confocal –, os cientistas já a podem usar nos laboratórios. “Para laboratórios minimamente preparados, é simples aplicar esta técnica”, considera Óscar Silvestre.

No INL, irá aplicar-se este nanotermómetro na investigação científica de novas terapias de combate ao cancro através de hipertermia – este tipo de tratamentos pretende aumentar a temperatura localmente, levando à morte dos tecidos tumorais, o que pode aumentar a eficácia dos tratamentos e reduzir os efeitos secundários.

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