Justiça entre gerações? Não dá votos e por isso pouco se tem feito, assumem políticos

Um inquérito promovido pela Fundação Gulbenkian mostram que deputados e responsáveis partidários tendem a culpar os cidadãos pela ausência de discurso e de medidas a respeito da justiça entre gerações, uma questão que por eles é definida como “muito importante”.

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Decisores políticos admitem que jovens estão pouco representados nas esferas de decisão, nos partidos e nos sindicatos Andreia Carvalho

Os decisores políticos estão de acordo que é preciso fazer mais para garantir que exista justiça entre gerações (tanto entre velhos e novos, como com aqueles que ainda estão por vir) e até mostram alguma unanimidade em relação ao que deveria ser feito para a garantir. O problema é quando se olha para a realidade. Como esta, por exemplo: a maioria dos deputados (57%) considera que nunca participou “numa decisão ou votação relativa à justiça intergeracional”.

Para saber qual é a “percepção da classe política portuguesa” sobre este domínio, a Fundação Calouste Gulbenkian promoveu um inquérito destinado aos actuais deputados e também a responsáveis políticos de todos os partidos com assento parlamentar, que estão ou estiveram em “cargos de relevo”. No primeiro caso responderam 69 deputados (30% do total). No segundo foram coligidas 13 entrevistas.

Este trabalho, que foi encomendado a uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, pode ser consultado no novo site De Hoje para Amanhã, lançado nesta quinta-feira pela Gulbenkian. É aí que se pode constatar que o facto de a maioria dos deputados considerar que nunca participou em nenhuma decisão a respeito da justiça entre gerações poderá ter uma justificação tão “simples” como esta: falta clientela a medidas com esse fim.

Os decisores políticos dizem-no de outro modo, mas o sentido é o mesmo. “Para quase todos os entrevistados, a principal razão por trás da incapacidade de agir para criar mais justiça intergeracional é a inexistência de incentivos políticos para o fazer”, destaca-se no estudo a propósito dos resultados obtidos nas 13 entrevistas a responsáveis partidários, que não se encontram identificados. E isso quer dizer o quê? “Ninguém ganha eleições a falar de demografia”, justifica um responsável do CDS que, a propósito, cita um aforismo do antigo Presidente dos EUA, Ronald Reagan: “Os governos não governam para as próximas gerações, governam para as próximas eleições.”

Mais velhos têm peso maior

E nas eleições tem-se registado que “os mais velhos são um eleitorado mais poderoso do que os jovens”, destacam os autores do estudo, lembrando que em muitos países “as taxas de fertilidade mais baixas, bem como a esperança de vida cada vez maior, resultaram num aumento constante na idade do eleitor médio”. Em Portugal esta idade média estará nos 44 anos e deverá aumentar para 50,2 em 2030, informam ainda.

É uma situação que está para durar, portanto e que “não seria problemática se os votantes mais velhos demonstrassem altruísmo (intergeracional) e, consequentemente, fizessem da preservação da vida e dos padrões ambientais uma prioridade”. Só que a realidade não é esta como tem sido demonstrada pela investigação nesta área, prosseguem os autores do estudo dando conta, por exemplo, que “os idosos são menos propensos a apoiar políticas climáticas” e que dão preferência a que o investimento os tenha como alvo em vez de se gastar mais na educação.

O peso deste eleitorado mais velho é também assumido pela generalidade dos responsáveis políticos entrevistados, quando coincidem no diagnóstico de que “os jovens se encontram insuficientemente representados pelos partidos políticos, pelos órgãos democráticos, pelas organizações sindicais e até pelas juventudes partidárias no processo e na decisão sobre as principais matérias que lhes dizem respeito”.

Voltando aos deputados, identifique-se então que medidas foram votadas pelos 43% que consideram ter participado em decisões relativas à justiça intergeracional. Eis algumas delas: criação do imposto sobre bebidas açucaradas; gestão de resíduos; habitação jovem; transparência na informação anual sobre a expectativa do valor da reforma.

Educação e dívida pública

É pouco e são os próprios deputados a reconhecê-lo: 64% concordam que o papel da justiça intergeracional no discurso político “é insuficiente”, embora 75% assumam que que esta questão é “muito importante” para eles.

Quem é então culpado por esta discrepância? Mais uma vez, para os decisores políticos o problema está nos cidadãos. Que por sua vez também culpam os culpam, como se pode ver num outro inquérito promovido pela Gulbenkian a 801 residentes em Portugal e que mostra, entre muitas outras coisas, que “mais de metade considera que os decisores políticos não estão a fazer o suficiente pelas gerações futuras”.

Já os responsáveis partidários entrevistados para este estudo da Gulbenkian “concordam que os eleitores têm uma visão a curto prazo” e também em média “um baixo nível de educação, o que faz com que sejam ainda menos susceptíveis a compreender problemas complexos com um efeito a longo prazo”.

Entre os deputados, 78,5% consideram que “é mais difícil percepcionar a dimensão geracional dos problemas sociais do que a dimensão étnica ou de género”. Quase outros tantos (72%) concordam que as gerações actuais estão a “transferir poucos recursos” para as gerações futuras.

Sobre o que já foi feito em benefício da justiça intergeracional, aparece em primeiro lugar o investimento em educação com 52,3% dos deputados a destacá-lo, com especial destaque para os eleitos pelo PS. Da esquerda à direita verifica-se um acordo mais forte pela negativa: tanto a dívida pública, como a gestão da habitação, “não foi elaborada pensando nas gerações futuras”.

Confrontados com uma série de medidas que poderiam ser adoptadas para garantir uma maior justiça intergeracional,  existem quatro que se destacam pela concordância obtida: “aumentar impostos sobre bens de consumo altamente poluentes (93,8%; aumentar a despesa pública em educação de infância de alta qualidade (89,2%); tomar medidas para aumentar a participação eleitoral dos jovens (87,5%); recompensar familiares por educarem as gerações mais novas e cuidarem das mais velhas, através de benefícios fiscais e de Segurança Social (83,1%).

De volta ao “condicionamento” dos políticos pelos eleitores, refira-se ainda que quando questionados sobre o que deve ser feito para garantir a justiça intergeracional, os responsáveis partidários foram quase unânimes em salientar que “faltam estudos e indicadores precisos para medir “o seu nível.  E que a existirem estes estudos permitiram não só apontar “soluções adequadas, como também sensibilizar a sociedade, que assim poderia fazer pressão e, desse modo, seriam criados incentivos eleitorais aos partidos para pôr temas de sustentabilidade na agenda”.  

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