A queda do SPD, o partido que ninguém parece querer liderar

O SPD reivindica para si o título do partido democrático mais antigo do mundo.

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Andrea Nahles seguiu-se a Martin Schulz e Sigmar Gabriel, três líderes em menos de três anos Fabrizio Bensch/Reuters

Ver a queda do SPD é ver a queda de uma instituição histórica, do partido que se reclama como o partido democrático mais antigo do mundo (com o nome actual, data de 1890). Do partido que fez frente a Hitler no Reichstag (e sofreu com isso), o único partido da República de Weimar que se manteve e, com organizações no exílio, sobreviveu ao regime nazi. De um partido que é o bastião da social-democracia europeia e apoiou outros partidos noutros países (como o PS em Portugal).

Durante décadas depois da II Guerra Mundial, o SPD foi um dos partidos da alternância no Governo alemão, e começou a sofrer após a reforma do sistema de segurança social (a chamada Agenda 2020 de Gerhard Schröder), que levou o partido mais para o centro. Mas a queda mais pronunciada veio após a participação no primeiro Governo de Angela Merkel (2009-2013), em que a CDU ganhou o crédito do que correu bem e o SPD, parceiro minoritário, ficou com a culpa do que correu mal.

De resto, o SPD sofre de numa tendência de dificuldades para muitos dos partidos social-democratas na Europa, com a sua base de classe de trabalhadores a mudar e a dificuldade em responder aos desafios do futuro do trabalho (globalização, digitalização, etc.), aliado à fragmentação política.

Para o analista de sondagens Richard Hilmer, do instituto Policy Matters, o SPD sofre de uma mudança que está a correr na Alemanha e também fora: uma nova linha de fractura na sociedade com base cultural (e não socioeconómica), entre uma atitude libertária e outra autoritária. Um conflito que pode ser visto com muita clareza na política de imigração, com os grandes partidos a terem dificuldades em conciliar os interesses contraditórios dos seus apoiantes (entre humanidade e medo de ser estranho no seu próprio país).

O “fim” do SPD como grande partido tem sido decretado pela imprensa alemã a cada resultado que bate recordes de “pior resultado desde o pós-guerra”. A descida nas eleições europeias foi até aos 15%.

Entre os analistas, há quem olhe para fora, para casos de desespero ou esperança na Europa: será que o SPD vai ter o destino do PS francês, que caiu para 7,5% nas últimas legislativas de 2017, ou, antes, do PASOK grego, que teve 6,3% em 2015? Ou será que lhe espera o destino do PSOE, que apesar da queda manteve a relevância e acabou por conseguir a chefia do Governo mesmo com apenas 20% dos votos? 

A comparação com estes países parece trazer precedentes piores para o SPD: em Espanha o PSOE beneficiou da viragem à direita dos partidos de centro-direita, e dos problemas dos partidos à sua esquerda (Podemos), e não tem um partido ecologista que atraia eleitorado do centro. Apesar de os Verdes alemães terem subido graças a eleitores vindos tanto dos sociais-democratas como dos conservadores (nas europeias ganharam exactamente metade de cada partido), a revista Der Spiegel perguntava se o partido não poderia ser “o novo SPD”. 

Se há quem veja uma viragem ao centro de alguns destes partidos sociais-democratas como causa dos problemas, há quem defenda uma via contrária.

O líder da juventude do partido, Kevin Kühnert, que foi o rosto mais visível da oposição à entrada do SPD numa nova “grande coligação” em 2018, tenta uma viragem ideológica e provocou recentemente um debate quando, em resposta a uma pergunta sobre o que é o socialismo, defendeu “a colectivização, por meios democráticos, de grandes empresas”, já que “sem colectivização é impossível ultrapassar o capitalismo”.

A entrevista provocou ondas de choque dentro e fora da Alemanha. No SPD, a maioria das reacções públicas foram de rejeição e espanto (“O que é que ele fumou? Não pode ter sido nada legal”, reagiu o deputado Johannes Kahrs no Twitter). Mas algumas vozes da ala mais à esquerda defenderam Kühnert, e a sua proposta acabou por levar a uma discussão dentro do partido.

Este debate deu entretanto lugar à questão da liderança, especialmente porque num partido que teve já três líderes em menos de três anos, não parece haver muitos pretendentes ao lugar.

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