A democracia espanhola “suspensa” por medida cautelar, diz associação antifranquista

Supremo Tribunal paralisa a exumação dos restos mortais de Franco do Vale dos Caídos. Depois de duas votações no Congresso, ainda não é desta que a transladação se concretiza. Associações de familiares das vítimas falam em “insulto à sociedade”.

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Associações de recuperação da memória histórica e de familiares das vítimas do franquismo protestaram frente ao Tribunal Supremo JUAN CARLOS HIDALGO/EPA

O Supremo Tribunal espanhol paralisou esta terça-feira a transladação dos restos mortais do ditador Francisco Franco do Vale dos Caídos para um panteão no cemitério El Pardo, em Madrid, decisão que a Associação de Recuperação da Memória Histórica apelidou de “grave”, porque “o Supremo decidiu suspender cautelarmente a democracia”, nas palavras do seu presidente, Emilio Silva, citado pelo El País.

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O Supremo Tribunal espanhol paralisou esta terça-feira a transladação dos restos mortais do ditador Francisco Franco do Vale dos Caídos para um panteão no cemitério El Pardo, em Madrid, decisão que a Associação de Recuperação da Memória Histórica apelidou de “grave”, porque “o Supremo decidiu suspender cautelarmente a democracia”, nas palavras do seu presidente, Emilio Silva, citado pelo El País.

Os cinco juízes da quarta secção, unanimemente, aceitaram o recurso apresentado pelos sete netos do ditador e paralisaram a exumação, até que a sentença sobre o caso seja definitiva, de modo a não provocar o dano “irreparável”. A decisão obriga o Governo a suspender a exumação da urna marcada para 10 de Junho.

Desde que foi tomada a decisão da transladação, a família e a Fundação Francisco Franco conseguiram travar o processo administrativo 14 vezes, logrando impedir a vontade política dos poderes executivos e legislativo.

Em 2018, dois deputados do Partido Popular votaram solitariamente contra a exumação do Vale dos Caídos. Essas vozes únicas num Congresso que votou favoravelmente à esquerda ou se absteve à direita apressaram-se a explicar que se tratava de um engano, melhor, de dois enganos.

Tratando-se da segunda votação favorável e com um governo empenhado em concretizar a transladação para que o Vale dos Caídos se torne um “lugar de memória e reconciliação”, seria de esperar que o processo corresse célere, mas tem sido tudo menos isso.

Família e fundação têm atirado todas as pedras ao seu alcance para perturbar a engrenagem da transladação, incluindo pedir o translado da urna de Franco para a catedral de La Almudena, no centro de Madrid, o que obrigou o Governo a falar com o Vaticano e é agora o cerne da batalha judicial travada pela família.

No comunicado em que se congratula pela decisão do tribunal, a Fundação Francisco Franco diz que a Justiça tomou a decisão “esperada” e “óbvia” face à “loucura” e à “fanfarronice do Governo” de Pedro Sánchez.

As vítimas e os seus representantes pensam de maneira distinta e até apresentaram queixa na Justiça por um dos magistrados envolvidos na decisão, José Luis Requeiro, não ser imparcial, ao manifestar-se anteriormente contra a lei da memória histórica e ser amigo de um dos colaboradores da Fundação Francisco Franco, Santiago Milans del Bosch.

“Cada dia que Franco passa em Cuelgamuros [nome do vale na serra de Guadarrama onde está o monumento do Vale dos Caídos] constitui um insulto à sociedade espanhola e à democracia”, afirmou a plataforma Ni Valle ni Almudena, que junta uma centena de associações e que se juntou em protesto ao meio-dia frente ao Supremo Tribunal, em Madrid.

Além dos restos mortais de Franco e do fundador da Falange Espanhola, José Antonio Primo de Rivera – que o Governo também quer transladar –, no Vale dos Caídos estão enterrados pelo menos outros 33.833 cadáveres, transladados de quase todas as províncias de Espanha, permanecendo 12.410 por identificar.