Escutar um momento ou ouvir uma estrela?

O piano de David Fray soou algo difuso, ou mesmo confuso, no concerto da passada sexta-feira na Casa da Música.

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A interacção entre o solista e a orquestra que dirigiu ao piano esteve em bom nível ALEXANDRE DELMAR

Há alturas em que quem tem a incumbência de escrever sobre um concerto se sente deslocado ou demasiado solitário na sua apreciação. O concerto sobre o qual nos debruçamos é um bom exemplo disso.

A Sala Suggia esteve cheia no dia em que o pianista David Fray celebrou o seu 38.º aniversário, com concertos de Bach e de Mozart, à frente da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Pôde observar-se o entusiasmo do público, não apenas nos aplausos finais, mas também num ou noutro comentários de apreço (ainda que vagos) vindos da plateia.

Estamos, sem dúvida, a falar de um pianista e de uma orquestra com um historial de prestações de grande qualidade, mas esqueçamos por momentos as gravações que já todos ouvimos, ou mesmo a memória de outros concertos, e centremo-nos apenas no que nos foi dado escutar na noite de sexta-feira.

Parecia haver em David Fray uma intenção musical definida, de uma definição bem maior do que as linhas efectivamente ouvidas na Sala Suggia. Foi perceptível uma boa interacção entre o solista e a orquestra que dirigiu ao piano; pelo menos, aquela mostrou-se bem preparada e assertiva na resposta ao que lhe era pedido. Nada disso, porém, impede que o piano tenha soado diversas vezes algo difuso, para não dizer mesmo confuso. E não é a interpretação um tanto romantizada que Fray faz de Bach a responsável por esta falta de clareza – isso comprovam-no os diversos registos discográficos em que tudo se ouve de forma cristalina, apesar de muito ligado e ocasionalmente provido de pulsação temperamental.

De resto, o estilo da sua interpretação dos Concertos em Ré menor e em Lá Maior, de Bach, acabaria por aproximar a música deste à de Mozart (de quem interpretou o Concerto para piano e orquestra nº 24 em dó menor K491), promovendo novas perspectivas na escuta de ambos.

Boa parte da plateia ergueu-se no final do concerto de Mozart, ainda que sem sinais de verdadeiro arrebatamento. Acreditarão os espectadores que é sua obrigação aplaudir qualquer solista até que este lhes devolva um número extra-programa (ou que seria de mau tom não o fazer)? Ou uma biografia com prémios demite o espectador do seu papel de ouvinte activo?

Fray retribui a amabilidade com mais uma peça de Bach, desta vez a solo, claro.

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