O swing de David Fray

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David Fray

O swing é a chave para interpretar Bach, mostra David Fray. Em Novembro, vem pela primeira vez a Portugal

A cada ano que passa, o mundo musical é inundado por revelações, umas verdadeiras, outras entusiasmos passageiros inflacionados pelo "marketing" das editoras discográficas. Sim, esses fenómenos também acontecem no mundo da música clássica. O meio é muito competitivo e normalmente os intérpretetes têm um alto nível técnico quando chegam a esse circuito, mas se lhes faltar a consistência artística que faz a diferença acabarão por cair no esquecimento.

À primeira vista, até poderíamos pensar que o pianista francês David Fray é mais um desses fenómenos de moda. Ainda por cima é um jovem atraente de 29 anos (cuja imagem de "dandy" tem sido bem aproveitada pela editora Virgin Classics) e comunicativo, casado desde 2008 com Chiara Muti, filha do famoso maestro Riccardo Muti. Mas, à primeira audição, verificamos também que David Fray não é um pianista qualquer. A sua maneira de tocar (elegante, precisa, poética e percorrida por uma espécie de corrente eléctrica) faz justiça aos prémios recentes, incluindo o título de "Revelação do Ano 2008" pela "BBC Music Magazine" e o primeiro lugar na categoria de solista nas Victoires de la Musique de 2010.

Além de o ouvir tocar, há também que ouvir David Fray falar sobre música com um entusiasmo fulgurante nas sessões de gravação dos Concertos de Bach com a Deutsche Kammerphilharmonie Bremen. Estas foram filmadas em 2008 por Bruno Monsaingeon (o realizador que nos legou filmes memoráveis sobre Glenn Gould ou Sviatoslav Richter), num documentário realizado para o canal ARTE e depois editado em DVD. Há muito que não se ouvia um Bach, em instrumentos modernos, com uma tal compreensão estilística e com uma tal energia rítmica. O título ("Swing, Sing & Think") é parte da chave da interpretação. David Fray não é apenas um músico intuitivo, reflecte sobre as obras e sobre o que faz e sabe explicar ao milímetro o que pretende aos instrumentistas da Deutsche Kammerphilharmonie: "Swinguem, não hesitem em relançar os acentos, em saltar, não percam jamais o ritmo: cantem também! E respirem... (...) Cuidem da articulação, das acentuações, é necessária vitalidade e sensualidade!".Alguns poderão achar a sua expressão corporal excessiva, talvez demasiado irrequieta, mas parece uma expressão genuína e dança ao sabor da música. A postura extrovertida contrasta com o gosto pelo silêncio: "Não sei se as pessoas se dão contam até que ponto o seu silêncio e a sua qualidade de escuta contribuem para um grande concerto", disse numa entrevista à televisão francesa (disponível em http://culture.france2.fr).

Nascido em Tarbes, David Fray começou a estudar piano aos quatro anos e formou-se no Conservatório de Paris na classe de Jacques Rouvier. O pai é professor de filosofia e a mãe professora de alemão, o que terá contribuído para a sua paixão pela cultura germânica, bem patente num repertório centrado em Bach, Mozart, Schubert, Haydn, Brahms e Schumann. "Na nossa época tem-se por vezes a impressão de que, para tornar a cultura acessível, é preciso colocá-la ao nível das pessoas. Não é verdade! Creio que é possível colocar as pessoas ao nível da cultura sem as tomar por idiotas, nem desvalorizar a própria cultura."

No dia 8 de Novembro, David Fray faz a sua estreia em Portugal com um recital na Gulbenkian preenchido com a Fantasia K. 475 e Sonata K. 311, de Mozart, e as Sonatas op. 28 ("Pastoral") e op. 53 ("Waldstein"),  de Beethoven.

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