E um brinquedo sexual para mulheres, já pode ser?

Pode o “Santo Graal” dos brinquedos eróticos conquistar um prémio na maior montra tecnológica do mundo? Sim, se for dirigido ao público masculino.

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É a maior feira tecnológica do mundo. Na edição deste ano, em Janeiro, em Las Vegas, a CES revelou os últimos avanços da indústria em campos como a robótica, as casas inteligentes e os carros autónomos. Mas também houve espaço para produtos de nicho ou para soluções que não associamos de imediato à área tecnológica, como por exemplo o hambúrguer vegan da Impossible Foods que sabe exactamente como o tradicional prato de carne picada, e que entretanto já chegou ao menu da Burger King nos Estados Unidos.

Ainda assim, foi com surpresa que os fundadores da Lora DiCarlo, uma start-up tecnológica do estado norte-americano do Oregon, receberam em Outubro de 2018 a notícia de que o seu inovador produto, o Osé, iria ser premiado na edição de 2019 da CES. É que o Osé não é um hambúrguer ou carro autónomo - é um brinquedo íntimo. 

Não se tratando exactamente de um vibrador (não vibra, efectivamente), o produto tem sido elogiado pela tecnologia inerente, que é capaz de desencadear um orgasmo vaginal e clitoriano em simultâneo através de um mecanismo de estimulação inovador, de natureza robótica - o New York Times descreve-o como o “Santo Graal” dos brinquedos eróticos. Do ponto de vista técnico, o júri da CES considerou que o produto tinha mérito para ser distinguido com o prémio de inovação da feira na categoria de robôs e drones.

Mas foi com igual surpresa que a empresa recebeu outra mensagem, poucas semanas depois da atribuição do prémio, a anunciar a retirada do galardão. A justificação, indicaram os organizadores da feira, era uma cláusula do regulamento que impedia a distinção de produtos “imorais, obscenos, indecentes e profanos”.

Numa carta aberta que se tornaria viral, Lora Haddock, CEO da start-up, acusou a organização da CES de ter “dois pesos e duas medidas no que diz respeito à sexualidade e à saúde sexual”, recordando que, em edições anteriores, a feira deu palco a tecnologias eróticas como uma boneca sexual robótica ou a aplicação da realidade virtual à pornografia, distinguindo-as mesmo com prémios em pelo menos dois casos. 

“À sexualidade masculina permitem que seja explícita, com um robô sexual com formas femininas irrealistas e pornografia com realidade virtual em lugar de destaque. A sexualidade feminina, por outro lado, é altamente censurada ou é proibida por completo”, escreveu Haddock, uma ex-militar de 33 anos que actualmente é uma engenheira especialista em anatomia, e que desenvolveu o seu produto em colaboração com a Universidade do Oregon.

A acusação juntar-se-ia a outras que sublinhavam o sexismo dos organizadores, que nas edições de 2017 e de 2018 não contaram com qualquer mulher no lote dos conferencistas principais do evento, e ao testemunho de outros inventores no campo da saúde sexual que viram as suas inovações serem vetadas pela feira, ainda que se tratassem de tecnologias eminentemente clínicas.

Debaixo de fogo durante quatro meses, a organização da CES veio este mês anunciar a restituição do prémio e expressar “um sincero pedido de desculpas” à Lori diCarlo. Citada pela CNN, a feira disse ainda que iria rever o regulamento do evento e dos seus concursos, reconhecendo que as regras estavam a ser aplicadas de forma discriminatória.

Imune à polémica, ou talvez mesmo beneficiando dela (a Lori diCarlo recebeu entretanto um investimento superior a dois milhões de dólares), o Osé chega às lojas no segundo semestre de 2019, com um preço de venda estimado em cerca de 200 euros.

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